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A crise das Santas Casas
04/09/2012

Artigo do diretor-presidente da Fehosp, Edson Rogatti, sobre as dificuldades financeiras das Santas Casas e hospitais filantrópicos. Atualmente, o setor filantrópico de saúde é composto por quase 4 mil unidades no Brasil. Todas elas, no momento, enfrentam dificuldades financeiras provocadas pela parcela de sua operação destinada ao atendimento público. Os hospitais têm um déficit anual de R$ 4 bilhões no atendimento ao SUS. Em 2010, empregaram 12 bilhões na assistência gratuita e receberam R$ 7,9 bilhões do Governo. A sobrevivência só tem sido possível pela mitigação do prejuízo com receitas particulares, que, em muitos casos, vem da própria população em forma de doações. O centro do problema é a defasagem da tabela de procedimentos do SUS. Esse documento determina quanto o Governo deve pagar por cada intervenção realizada nos pacientes da rede pública. No geral, o déficit é de 40%, ou seja, para cada R$ 100,00 gastos os hospitais recebem R$ 60,00. E isso ocorre há anos. As Santas Casas e Hospitais Beneficentes são responsáveis por 1/3 do sistema de saúde do país. Todos os anos realizam 185 milhões de atendimentos ambulatoriais gratuitos. No Estado de São Paulo respondem por 33 mil dos 65 mil leitos existentes. Também é importante lembrar que 70% das unidades estão localizadas em municípios com até 30 mil habitantes onde, em grande parte, é a única alternativa de atendimento público. Os filantrópicos permitiram a criação do SUS, uma das maiores conquistas sociais do Brasil, já que o Estado não dispunha à época, e não dispõe hoje, de uma estrutura capaz de suportar a universalização da assistência. Para vencer esse obstáculo a administração pública estabeleceu um acordo com a rede beneficente, que colocou seus hospitais à disposição do projeto. Essa parceria público-privada é a espinha dorsal do SUS e colapso das Santas Casas e Hospitais Beneficentes coloca em risco o sistema. Privado de direito, o setor filantrópico pode ser considerado público de fato. Sua missão e a filosofia dos seus gestores e funcionários é servir a população, principalmente os mais carentes. A maioria dos seus hospitais utiliza mais de 90% da capacidade no atendimento gratuito, embora a legislação exija apenas 60%. Mas está mais difícil para as Santas Casas cumprirem esse papel social. Algumas fecharam as portas e muitas estão diminuindo o número de atendimentos para o SUS como forma de atenuar o déficit operacional. É importante esclarecer que a reivindicação do setor filantrópico não é por lucros, já que as instituições não têm esse fim. Não se trata de um negócio. O alerta é para a necessidade de um fluxo de receitas que cubra as despesas. Quando um hospital deixa de atender um paciente do SUS não o faz porque não é vantajoso, mas porque não é possível. Vale lembrar ainda que depois de anos de espera o Senado finalmente votou a Emenda Constitucional 29, mas a notícia que deveria ser recebida com entusiasmo causou grande insatisfação. Isso porque o texto aprovado determina que a União destine à saúde o mesmo montante do ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois últimos anos. Bem diferente do texto original, prevendo que a União investisse 10% de sua receita corrente bruta na saúde. Com isso, considerando o desaquecimento da economia, o investimento federal será semelhante ao já praticado hoje. E, como sabemos, insuficiente para garantir o acesso de mais de 70% da população ao Sistema Único de Saúde (SUS). Foi um duro golpe para todos nós que há tempos esperamos uma solução para o subfinanciamento da saúde pública. É claro que a regulamentação da EC 29 é um grande avanço, já que estipula o que de fato é investimento em saúde, mas precisamos ser realistas: Regulamentada nesses termos, a emenda não resolve o problema do setor. É fundamental retomar uma interlocução produtiva entre Governo e entidades em busca de equilíbrio financeiro. E a partir da premissa de que não é possível permitir o distanciamento dos filantrópicos da saúde pública, estabelecer compromissos, aparar arestas e voltar a produzir em conjunto. Chegou a hora de reafirmar o pacto que viabilizou a criação do SUS, ferramenta que permite ao Estado cumprir seu dever constitucional de prover saúde para a população. Temos essa obrigação com os brasileiros e as instituições filantrópicas não pretendem fugir da responsabilidade. Edson Rogatti - Diretor-presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp)