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A Santa Casa começa a sair de uma crítica saúde financeira
23/05/2016

Entre 2013 e 2015, os serviços médicos e a credibilidade da Santa Casa de Misericórdia foram para o estado de coma por uma sucessão de problemas de gestão. A má administração gerou atrasos no pagamento de funcionários e um calote em fornecedores. Serviços como a coleta de lixo hospitalar acabaram sendo interrompidos e começaram a faltar itens básicos como luvas e seringas. Em julho de 2014, o pronto-socorro do local, que atende cerca de 1 500 pessoas por dia, chegou a fechar as portas por 28 horas devido à falta de insumos. Médicos e outros profissionais organizaram passeatas em frente ao prédio da entidade, em Santa Cecília. Responsável na época pelo complexo, Kalil Rocha Abdalla renunciou ao cargo em meio a denúncias de corrupção. Ele teve os sigilos bancário e fiscal quebrados e ainda está sob investigação do Ministério Público Estadual por indícios de superfaturamento em contratos e nepotismo, entre outras questões.

A mudança do quadro crítico da entidade construída no fim do século XIX teve início em junho de 2015. Em uma eleição sem concorrentes, o pediatra José Luiz Setúbal assumiu o controle do lugar com a difícil missão de recuperá-lo. Acionista do Banco Itaú e dono do Hospital Infantil Sabará, em Higienópolis, Setúbal era um crítico ferrenho de Abdalla e chegou disposto a abrir a caixa-preta da contabilidade e evitar que o maior hospital filantrópico do país enfrentasse o óbito e precisasse encerrar as atividades.

Setúbal e José Carlos Villela

José Luiz Setúbal e José Carlos Villela: eles aguardam empréstimo de 360 milhões de reais junto ao BNDES (Foto: Leo Martins)

Depois de um ano da mudança, a situação financeira ainda requer muitos cuidados, mas já é possível notar avanços importantes. Em 2016, a Santa Casa começou a registrar um superávit mensal. Em abril, por exemplo, as contas operacionais ficaram 3 milhões de reais no azul, contra os 13,2 milhões de reais no vermelho em maio de 2015. O salário dos 9 000 funcionários está sendo pago em dia, assim como os contratos com os fornecedores. O formulário dos pacientes e o estoque de remédios e materiais do local estão sendo informatizados. No mês passado, ocorreu por lá a inauguração de dez leitos de UTI no 3º andar da enfermagem. “O remédio para a recuperação é amargo”, conta Setúbal. “Mas não existe milagre: foi preciso enxugar nosso tamanho e as despesas para sairmos das páginas policiais.”

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A nova gestão precisou demitir 1 500 funcionários, dos quais 184 eram médicos, que representavam 12% da folha de pagamento. O corte teve como objetivo economizar 10 milhões de reais por mês. Os contratos com fornecedores foram revistos e houve mudanças em toda a hierarquia, o que acabou com descalabros como a descentralização de gastos. Cada departamento fazia a aquisição que bem entendesse, sem que fosse necessário o aval de ninguém. “A falta de gerenciamento era muito grande, não havia liderança”, diz Setúbal. “A cada gaveta que abríamos, encontrávamos um esqueleto”, reforça o superintendente José Carlos Villela, que saiu de uma consultoria de gestão e tecnologia para auxiliar na reconstrução da Santa Casa. Para seu espanto, por exemplo, o estoque não era informatizado. “Não existiam dados sobre a quantidade de remédios e ataduras que tínhamos.”

O programa de ajustes continua em curso. Em dezembro, por meio de um leilão, os administradores tentaram vender duas dezenas dos 273 imóveis da entidade. O objetivo era fazer caixa para pagar contas. Nenhum lance foi feito, mas um novo lote deve ser oferecido nas próximas semanas. “Tivemos a má sorte de estar no atual momento econômico. Muita gente não quer investir”, lamenta Setúbal. Hoje em dia, a Santa Casa recebe cerca de 2 milhões de reais por mês em aluguéis. Um dos endereços locados é a filial da Casas Bahia que fica ao lado do Teatro Municipal, no centro.

Prontuários Santa Casa

Prontuários em papel: objetivo de informatizar todos os dados dos pacientes (Foto: Leo Martins)

Apesar do esforço recente, ainda há problemas graves. Parte dos médicos e enfermeiros não recebeu o 13º salário de 2014. O passivo total é estimado em 868 milhões de reais. A maior parte do montante é devida a bancos e fornecedores. Por causa dessa situação, o hospital não pode participar de algumas licitações para administrar prontos?socorros e UBSs municipais. No último ano, foram devolvidas catorze unidades que estavam sob sua gestão. A previsão é que o número de consultas feitas em 2016 seja de 2 milhões, contra 4 milhões de anos anteriores. “Seremos menores e queremos focar atendimentos de alta complexidade”, planeja Setúbal. “Notamos um encolhimento do serviço, com menos procedimentos. Eles estão tentando sanar as dificuldades, mas há um longo caminho pela frente”, entende Eitan Naaman Berezin, infectologista da Santa Casa e delegado do Sindicato dos Médicos de São Paulo.

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Uma questão vital para a saúde financeira e o futuro da instituição é a aprovação de um empréstimo de 360 milhões de reais junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com uma taxa de juros de 15,5% ao ano. A linha de crédito estava prestes a ser aprovada, mas a recente troca no governo federal paralisou o negócio. O montante do BNDES poderá ser usado apenas para quitar débitos com outros bancos e fornecedores. “Nossas contas com as outras instituições financeiras têm juros maiores, então esse dinheiro nos dará mais fôlego”, explica Villela. “Será uma etapa fundamental na nossa reconstrução.”

AS MEDIDAS AMARGAS...

› Demissão de 1 500 de seus 10 500 funcionários para economizar 10 milhões de reais por mês

› Redução de 4 milhões para 2 milhões de atendimentos por ano ao deixar de administrar dois prontos-socorros

› Leilão de parte dos 273 imóveis da entidade para fazer caixa

... E ALGUNS DOS SINAIS DE MELHORIA

› Inauguração de dez novos leitos de UTI há um mês

› Informatização dos prontuários dos pacientes, que, em alguns casos, somam mais de vinte páginas

› Superávit operacional de 3 milhões de reais em abril de 2016 (em maio de 2015, o déficit foi de 13,2 milhões de reais)


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