PARA FREAR GASTOS EM SAÚDE, TEMER ESTUDA REVER SUS
02/09/2016
Desde que assumiu interinamente, sua equipe dá sinais de que haverá mudanças no SUS (Sistema Único de Saúde), que hoje atende diretamente 75% da população brasileira.
O atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, já afirmou que o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante, como o acesso universal à saúde. Nesta semana, o governo Temer criou um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de revisão da legislação que rege o SUS.
A proposta de limitar gastos obrigatórios também representará um impacto direto no sistema público de saúde. Hoje, pela Constituição, o governo federal tem que aplicar no mínimo 13,2% de sua receita líquida em saúde. Com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sugerida pelo governo, a saúde deixaria de ter uma garantia de percentual de receita obrigatória.
A União cumpriria um valor mínimo (ainda não foi especificado) que seria corrigido anualmente pela inflação. Segundo especialistas do setor, se a PEC for aprovada, os cortes girariam em torno de R$ 44 bilhões a menos para o SUS a partir do próximo ano. O Orçamento de 2016 é de R$ 118 bilhões. Além do corte de programas básicos, como o Farmácia Popular e o Samu, isso pode significar mais demora para atendimentos e cirurgias no sistema público.
O momento não poderia ser pior. Em razão da crise econômica e do desemprego, a previsão é que perto de 2 milhões de pessoas terminem o ano de 2016 sem planos de saúde e terão que bater na porta do já subfinanciado e sucateado SUS. O país já gasta pouco com saúde, menos do que a média mundial. A maior parte do gasto vem do setor privado. Dos 8,5% do PIB investidos, 4,9% são da iniciativa privada e apenas 3,6% do poder público.
Mas qual a saída para garantir mais dinheiro para o SUS? Entre as sugestões de especialistas estão a taxação de grandes fortunas, a sobretaxa de produtos que causam doenças como refrigerantes e cigarros e menos renúncia fiscal.
Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que apenas com a dedução de gastos com saúde no Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas o governo deixa de arrecadar R$ 16 bilhões por ano.
Mas, mesmo diante do inquestionável subfinanciamento do setor, economistas da saúde sustentam que é possível gastar melhor o montante atual, aprimorando a gestão dos serviços, coibindo desperdícios e fraudes e priorizando a prevenção e promoção da saúde.
O combate às epidemias de dengue, zika e chikungunya, ligadas ao mosquito Aedes aegypti, também é outra prioridade. Para isso, além da verba, é preciso que o Ministério da Saúde melhore o controle e a fiscalização das ações de prevenção executadas por municípios e Estados.
A judicialização da saúde é considerado outro importante ralo por onde se escoa hoje perto de 7 bilhões de verbas federais, estaduais e municipais. As ações usam o direito universal proposto na Constituição para conseguir remédios e outras terapias, mas isso acaba por desviar recursos de outros programas.
Os desafios pela frente são inúmeros, mas, em se tratando de cortes em saúde, seria salutar que o governo de Michel Temer recorresse aos ensinamentos de David Stuckler, economista de Oxford, que estudou a política econômica de austeridade em 27 países (1995-2011).
Seu trabalho gerou o chamado "multiplicador fiscal", que mostra o quanto de dinheiro se consegue de volta com diferentes gastos públicos. Os melhores índices multiplicadores vem de gastos com educação e saúde, os piores com a defesa.
"Saúde é oportunidade de gerar economia e crescer mais rapidamente. Se cortar em saúde, gera mais mortes, aumento e surtos de infecções por HIV, TB, DIP, aumento dos índices de alcoolismo e suicídio, aumento dos problemas de saúde mental, risco de retorno de doenças erradicadas. Governos deveriam investir mais em saúde em tempos de crise, para sair dela."
Fonte: Folha de São Paulo