SAÚDE PODE TER PERDAS BILIONÁRIAS COM PEC DO TETO, AVALIAM ENTIDADES
06/10/2016
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) calculam que a proposta de emenda constitucional (PEC) que institui um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos pode impor perdas bilionárias para o setor de saúde. Representantes do governo contestam essas estimativas (leia mais ao final desta reportagem).
Pela proposta do governo, durante os próximos 20 anos (com possibilidade de mudança do formato de correção a partir do décimo ano), as despesas públicas serão corrigidas no máximo pela inflação do ano anterior, ou seja, não terão crescimento real (acima da inflação).
O setor de saúde terá tratamento diferenciado. Os gastos com saúde serão elevados a 15% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, com correção pela inflação somente a partir de 2018, segundo a proposta divulgada pelo relator Darcísio Perondi (PMDB-RS).
Para entrarem em vigor, as mudanças do formato de financiamento da saúde ainda precisam passar pelo crivo da comissão especial do Congresso criada para discutir assunto e dos plenários da Câmara e do Senado Federal.
Atualmente, a saúde, assim como a educação, tem suas despesas mínimas fixadas com base em um percentual da receita corrente líquida.
Como a expectativa é de crescimento da economia brasileira nos próximo anos – cenário que já se vislumbrava antes mesmo do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff – a arrecadação federal tende a aumentar. Por isso, as entidades calculam que, mantidas as regras da PEC do teto de gastos nesse cenário, haverá perdas para a saúde e também para a educação.
No início deste ano, ainda no governo Dilma, o mercado já previa um crescimento de 0,8% da economia para 2017, de 1,8% para 2018 e de 2% para 2019.
Com a vigência da PEC do teto, o Conselho Nacional de Saúde calculou as perdas para a saúde nos próximos 20 anos em R$ 424 bilhões.
Em nota conjunta, o Conass e o Conasems estimam que o setor deixará de receber, até 2036, R$ 433 bilhões, dos quais R$ 57 bilhões até 2025, momento no qual o formato de correção poderá ser alterado, se essa for a vontade do presidente que estiver no poder nesse ano.
Esses cálculos foram feitos nesta quarta-feira (5), já considerando as últimas mudanças feitas no texto da PEC feitas nesta semana pelo relator do projeto no Congresso Nacional. 'Morte' do SUS
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Santos, não poupa críticas à PEC do teto, que, para ele, representará a "morte" do Sistema Único de Saúde (SUS). O sistema atende a 75% da população brasileira, cerca de 150 milhões de pessoas.
O conselho é vinculado ao Ministério da Saúdee é a instância máxima de deliberação do SUS. Integram o conselho representantes de entidades e movimentos de usuários da saúde, entidades de trabalhadores do setor, governo e prestadores de serviços de saúde,
"Há necessidade de ajustes nas contas públicas. Há desequilibrio, mas a questão é quem irá pagar a conta. Achamos que não pode ser a vida do povo brasileiro. Há outras medidas econômicas, como por exemplo, a taxação de grandes fortunas e da especulação financeira", declarou Santos.
De acordo com Santos, atualmente o governo, os estados e os municípios gastam cerca de 3,9% do Produto Interno Bruto (PIB) com saúde, patamar inferior ao da média de 8% do PIB dos 34 países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Com a PEC do teto, informou o conselho nacional, o gasto cairá mais ainda no futuro, para cerca de 2% do PIB ao final de 20 anos.
Segundo ele, a PEC do teto comprometerá cirugias oncológicas, exigirá menos gastos com o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), menos equipes de Saúde da Família, menos transplantes e menos assistência farmaceutica em um cenário de crescimento e de envelhecimento populacional – momento em que a Saúde é mais demandada.
"Os parlamentares não foram eleitos para mudar o contrato social brasileiro, para colocar a responsabilidade por politicas públicas por saúde nas mãos das famílias e do mercado", concluiu Ronald Santos, presidente do CNS.
Em nota divulgada nesta quarta-feira, o Conass e o Conasems avaliaram que os efeitos da PEC do teto de gastos públicos serão "desastrosos" para todas as esferas do SUS, principalmente para estaduais e municipais do sistema.
"De forma direta, essas esferas recebem da União repasses da ordem de 64% do orçamento do Ministério da Saúde, destinados a atendimentos de atenção básica, média e de alta complexidade. De forma indireta, cita-se como exemplo os recursos financeiros destinados à compra centralizada de medicamentos de alto custo, realizada pelo Ministério da Saúde", avaliaram as entidades.
Os conselhos acrescentaram que "congelar" por 20 anos recursos financeiros federais destinados ao SUS é "ignorar a regra constitucional que estabelece o direito à saúde mediante políticas econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Governo contesta
Autoridades do governo têm argumentado que não se pode comparar cenários, retrospectivos ou prospectivos (estimativas para os próximos anos), que mostram a diferença entre a aplicação do método da PEC com aquele ocorrido ou sua tendência.
O governo avalia que tanto o PIB como as receitas que servem de base de cálculo para os pisos teriam crescido ou crescerão de forma desigual.
A visão da equipe econômica é que, sem a PEC do teto de gastos, haveria um crescimento econômico menor no futuro, o que faria também com que as receitas fossem mais baixas.
Segundo o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, a vinculação dos gastos com saúde e educação a um patamar da receita líquida do governo, atual formato contemplado na Constituição, não garante qualidade do serviço.
“Receita vinculada não é garantia de prioridade e de gasto aplicado. Isso não significa qualidade e tampouco prioridade”, declarou Almeida em setembro deste ano.
Do G1, em Brasília