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O RISCO DA INDIFERENÇA
05/01/2017

Pesquisa Datafolha divulgada em dezembro mostrou que a saúde voltou a figurar como a maior preocupação do brasileiro. Foi mencionada por 33% dos entrevistados, bem à frente da segunda colocada, a corrupção (16%).

Isso demonstra que temos sido não só incapazes de resolver os problemas antigos da saúde mas também indefesos em relação aos novos.

As ameaças conjuntas transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti (dengue, chikungunya, zika) são um claro exemplo desse problema.

Um caderno especial recente desta Folha sobre o tema mostrou que mais de 2.000 bebês receberam o diagnóstico de microcefalia desde que foi constatada a epidemia de zika. Ainda há outros 3.000 casos sob investigação.

O que significa dizer que até 5.000 crianças podem ter o seu desenvolvimento mental prejudicado e, em alguns casos, precisarão de cuidados por toda a vida.

Apesar de toda a destruição e sofrimento causados pelo mosquito e mesmo por moléstias novecentistas como a sífilis —ressurgindo com força total em pleno século 21—, a saúde continua sem ter o mesmo potencial de mobilização popular que outros temas. Prova disso é que, em pleno verão, quando muitos Estados sofrem com a explosão de casos das arboviroses, as doenças transmitidas por mosquitos, não houve nenhuma pressão para que novas formas de combater o Aedes fossem implementadas.

Não será surpresa se neste ano houver mais uma geração de milhares de bebês com microcefalia. Para quem vê a realidade cotidiana dos hospitais brasileiros, é espantoso que não haja uma articulação social mais profunda em prol da saúde.

Continuamos pacientemente esperando por algo que nunca virá enquanto a nossa cultura não tratar a saúde como um valor maior. Se não nos mobilizamos como pacientes, diretamente interessados na qualidade da assistência que recebemos, deveríamos ao menos como cidadãos cobrar a eficiência e eficácia das ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação pelas quais pagamos tão caro.

Se, contudo, nem o nosso dever de cidadãos nos motivar a lutar pela saúde, que ao menos a nossa condição de seres humanos que não podem ficar indiferentes ao sofrimento de seus semelhantes possa ser um motor para a ação.

Quem trabalha no setor sabe que nos últimos anos tornou-se cada vez mais presente nos serviços de saúde o conceito de atendimento humanizado, que nada mais é do que o compromisso do profissional em não tratar o paciente como um número, mas ter a preocupação de confortá-lo, pois a forma como o orienta e o acolhe também se reflete no bem-estar e na sua recuperação.

Talvez não sejam somente os hospitais que precisem ser humanizados, mas a sociedade de uma forma geral. Será que a empatia é uma qualidade que se perdeu na correria do dia a dia do mundo moderno? Estamos nos tornando pessoas indiferentes ao sofrimento do outro?

FRANCISCO BALESTRIN, médico, é presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).


Fonte: Folha de S. Paulo