JUDICIÁRIO DESTINA VALORES DE INDENIZAÇÕES A PROJETOS SOCIAIS
06/01/2017
Ministério Público do Trabalho (MPT), magistrados e empresas condenadas em ações civis públicas têm buscado alternativas criativas e de impacto social imediato para destinar o dinheiro arrecadado com decisões judiciais. Os valores - que normalmente seriam encaminhados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou similar - têm sido investido na construção de hospitais, centros de pesquisas, reforma de escolas e até na compra de ingressos de cinema e aulas de circo infantil.
Exemplo disso é o maior acordo já firmado na Justiça do Trabalho por dano moral coletivo, no total de R$ 200 milhões, cujo resultado são diversos projetos de saúde desenvolvidos em municípios de São Paulo e do Pará. O ajuste foi fechado em um processo, conhecido como caso Shell- Basf, pela contaminação de empregados de uma fábrica de agrotóxicos em Paulínia (SP).
Do total da condenação, R$ 19,362 milhões serão destinados à construção de um centro de pesquisas de câncer infantil no Centro Infantil Boldrini - hospital filantrópico especializado em oncologia e hematologia pediátrica, em Campinas (SP). Ainda serão investidos parte do dinheiro na aquisição de quatro carretas com equipamentos de diagnósticos que percorrerão a periferia da cidade para realizar exames preventivos dos tipos de câncer mais comuns: pele, mama e próstata.
O Hospital do Câncer de Barretos foi beneficiado com R$ 69,965 milhões e o montante será destinado à pesquisa, prevenção, tratamento e educação em oncologia. Outra iniciativa é a construção de um barco-hospital que atenderá cerca de mil comunidades ribeirinhas no Estado do Pará. Cerca de 48,37% da população da região encontra-se abaixo da linha da pobreza e não possui atendimento de saúde. O projeto foi orçado em R$ 24,5 milhões e será executado pela Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus.
A condenação ainda garante o atendimento médico vitalício a 1058 vítimas habilitadas no acordo com a Shell e a Basf e pagamento de danos morais e materiais aos ex-trabalhadores e família.
A praxe, em acordos dessa natureza, sempre foi a destinação dos valores a fundos, como o FAT. Segundo o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas, Ronaldo Lira, que integra a comissão das destinações do caso Shell Basf, nunca se obteve qualquer resposta sobre a aplicação e efetividade dessas indenizações. "Percebemos que as quantias não eram destinadas à assistência das regiões afetadas", diz.
Lira acrescenta que, por outro lado, a empresa condenada prefere comprar uma ambulância para ser doada a um hospital a fazer um depósito na conta do FAT, pois vê que a indenização teve uma destinação importante para a sociedade.
Por isso, passou a direcionar as indenizações a projetos assistenciais, prática comum entre outros membros do MPT. "Começamos a usar a criatividade para buscar projetos sociais." A preferência se dá aos que tenham alguma correlação com o direito afetado.
No caso Basf-Shell, como o valor é muito alto, o MPT de Campinas publicou no site do órgão comunicado para convocar projetos interessados em participar de uma seleção. Um dos critérios foi que as entidades fossem reconhecidas e com experiência na área de saúde. As condenações por danos morais coletivos às empresas, segundo o órgão, devem ter um efeito pedagógico.
A desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, Maria Inês Correa de Cerqueira Cesar Targa, que foi juíza da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, responsável pela decisão contra a Shell Basf, afirma que na época os valores haviam sido direcionados para o FAT, atendendo pedido do MPT. No entanto, como ela havia sugerido, houve um acordo e os valores foram aplicados em projetos sociais. "Antes até havia uma discussão se isso era possível, mas a jurisprudência se consolidou nesse sentido", diz.
Atualmente, a prática é corriqueira, segundo a magistrada. Ela afirma já ter atuado em casos em houve a proposta de reformas de cozinhas de presídios, escolas, doação de camas hospitalares e geradores de energia para uma associação que cuida de pacientes terminais, entre outras práticas. "A ideia pode partir do juiz, do procurador, do mediador, basta que seja boa e para uma entidade séria, para que a comunidade veja o retorno do seu dinheiro", diz Maria Inês.
Recentemente, o Cinemark Brasil, a partir de um acordo com o MPT de Campinas, comprometeu-se a fornecer 1.200 vouchers com um ingresso de cinema, uma pipoca e um refrigerante, e mais 400 ingressos individuais, destinados a entidades beneficentes que se dedicam a atender crianças e adolescentes em situação de risco social.
A doação é uma alternativa à multa de cerca R$ 37 mil, referente ao descumprimento da cláusula de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) celebrado em novembro de 2013. A rede de cinemas desrespeitou a obrigação de não manter jovens menores de 18 anos em trabalho após as 22 horas.
Já um acordo nacional entre o Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais e a MRV Engenharia destinou mais de R$ 3 milhões a projetos em benefício de trabalhadores e comunidades no interior do Estado. Um deles, o Projeto Nacional Carga Pesada, da Coordenadoria de Combate a Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), deve receber R$ 298,3 mil. O objetivo é capacitar trabalhadores informais que têm como atividade a movimentação de carga e descarga de caminhões na Ceasa de Belo Horizonte.
Outro beneficiado é o Projeto Abatedouros e Frigoríficos, que vai reverter mais de R$ 264 mil para o município de Jequitinhonha na reforma do abatedouro municipal e na contratação de cursos de saúde e segurança do trabalho e de técnica para os trabalhadores para o manuseio de novos equipamentos.
O acordo ainda direcionou verba para o chamado MPT Escola Peteca, que tem promovido cursos sobre trabalho infantil para o conselho tutelar e a construção de salas de inclusão digital em 41 municípios do Estado.
Uma das procuradoras responsáveis pelo projeto do MPT de Minas, Elaine Noronha Nassif, afirma que o acordo foi resultado de uma ação nacional de investigação sobre a subempreitada na construção civil, que resultou na condenação da MRV.
Com os recursos de uma condenação trabalhista sofrida pelo McDonald's em 2013, em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho de Pernambuco, que tratava de imposição irregular de jornada móvel e variável aos trabalhadores, foram realizados também projetos sociais pelo país.
Um deles, chamado Educação na Medida, foi realizado com adolescentes da Mangueira, no Rio de Janeiro, que tinham cometido algum tipo de infração e cumpriam medida socioeducativa em meio aberto e participaram de oficinas de informática, direitos dos cidadãos, responsabilidade social, empreendedorismo, políticas públicas e meio ambiente, entre outros temas. Eles também praticaram atividades circenses, oferecidas pelo Circo Crescer e Viver.
A procuradora responsável pelo caso no MPT do Rio, Dulce Torzecki, afirma que o montante da condenação na ação movida em Pernambuco passou de R$ 7 milhões, tendo sido aplicados especificamente no Rio de Janeiro cerca de R$ 500 mil.
A assessoria de imprensa da Shell informou por nota que "apesar de estudos técnicos mostrarem que a contaminação ambiental não impactou a saúde de ex-trabalhadores e seus dependentes, a empresa já vinha prestando assistência médica integral para os antigos trabalhadores de Paulínia e seus dependentes há mais de um ano e, com o objetivo de encerrar amigavelmente um processo judicial que poderia se estender longo período - o que não beneficiaria nenhuma das partes envolvidas - a companhia se prontificou a continuar a fazê-lo nos termos propostos pelo TST".
A Basf informou, também por nota, que segue cumprindo os termos do acordo e que " reforça mais uma vez seu compromisso em posicionar-se com transparência e integridade em todos os aspectos relacionados a este assunto".
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa do Cinemark não deu retorno até o fechamento da edição. A MRV e o McDonald's preferiram não se manifestar.
Fonte: Valor Econômico