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Nuvens cinzentas ou céu azul para a saúde em 2015?
23/02/2015

Todo final de ano, deixo rodar na minha mente as cenas principais do filme que passou, ao mesmo tempo penso sobre o que nos aguarda no próximo, que acaba de bater à nossa porta. Mantive o hábito na virada de 2014 para 2015. A diferença? A quantidade de nuvens cinzentas e o prenúncio de tempestade. Para a saúde, de um modo especial, preconizo um ano extremamente difícil e duro.

Acabamos de sair de um combate eleitoral voraz, onde predominaram o ódio, as acusações, o desrespeito à pessoa e o vale-tudo para subir a rampa do Planalto. E, embora a saúde seja a principal preocupação do brasileiro – pelo menos na pesquisa do Datafolha publicada cerca de um ano atrás, onde o tema aparece como o número 1 na mente da população desde 2008 –, ouvimos muito pouco ou quase nada dos candidatos sobre as mazelas deste setor (e de outros, como educação), o que de certa forma explica porque a grande maioria dos proeminentes da política vem se tratar em famosos hospitais de São Paulo.
 
Temos presenciado, desde a campanha politica, uma série de denúncias e evidências de corrupção enlameando empresas importantes e até agora sequer as pessoas envolvidas foram “convidadas” a se retirar dos cargos que ocupam.
 
Nem bem iniciou o ano, outro escândalo de proporções gritantes explode nos noticiários: a máfia das próteses. Uma praga que há mais de 20 anos penaliza o sistema de saúde, os hospitais e os pacientes. Muitos players do setor já tinham conhecimento desse descalabro, mas, sem provas, não havia como levar adiante a denúncia e uma investigação efetiva. Quantos ilustres cidadãos participaram e ainda participam dessa verdadeira quadrilha, que brinca com as vidas de pessoas e com a sustentabilidade de órgãos públicos e organizações privadas de saúde? Espera-se pelo menos uma reparação convincente e o fim dessa prática tão danosa. Ao contrário, a sensação que paira no ar é de absoluta normalidade, como se desviar recursos e fartar-se com a dilapidação do património alheio fosse normal.
 
A certeza de impunidade certamente é a grande proteção desse sistema do sair ganhando a qualquer preço, do tirar vantagem em tudo e até do roubar e matar. Parece que o ar que respiramos está impregnado com esta certeza. Parece que estamos cercados e paralisados para esboçar qualquer tipo de reação. Continuamos passivos até o próximo escândalo, quando alguns se levantarão e esbravejarão contra as atrocidades, mas nada de concreto acontece.
 
Eu sou um sujeito otimista por natureza, mas, pela primeira vez, inicio um ano com muito temor. Com perspectivas em baixa e, com pesar, apostando nas muitas chances do novo ano estar coberto de nuvens cinzentas.
 
David Uip iniciou da seguinte forma um artigo publicado pela Folha de S. Paulo em abril de 2014: “quando se tenta consertar algo e o resultado prejudica ainda mais o problema, diz-se que a emenda saiu pior que o soneto. Na saúde pública brasileira, temos acompanhado episódios que remetem ao ditado popular, causando preocupações e incertezas”. 

Infelizmente, não faltam exemplos para ilustrar o raciocínio. Vejamos alguns:
 
1. A Emenda Constitucional 29, regulamentada em setembro de 2011, até hoje continua sem cumprimento, pois a União não repassa ao sistema o que ali está expresso. E o que acontece com os agentes que descumprem a Constituição? Nada.
 
2. O relatório do Tribunal de Contas da União feito a partir de uma auditoria em 2013 apresenta dados assustadores:
 
a. Em 1995, tínhamos 3,22 leitos por 1.000 habitantes. Em  2010, o índice caiu para 2,63.
b. 64% dos hospitais do SUS estão superlotados. 6% nunca estiveram cheios.
c. Evidências gritantes de má gestão com aparelhos novos encaixotados há meses. Aparelhos de endoscopia sem uso por falta de área física.
d. Equipamentos enviados aos hospitais sem necessidade.
e. Falta de medicamentos e insumos.
 
3. O Brasil investe 9% do PIB em saúde, o que resulta em US$ 490.00 por habitante, enquanto que a Argentina investe US$ 700.00 e o Chile US$ 550.00.

4. Gargalos crônicos permeiam o nosso sistema de saúde. Entra ano, sai ano e a situação persiste:
 
a. O financiamento.
b. A qualificação profissional.
c. Gestão mais ágil e eficaz.
 
Tem muita gente preparada e articulada constatando os desvios e apontando possíveis caminhos para a saúde pública brasileira. O comentarista da Rádio Estadão Antônio Penteado Mendonça, por exemplo, foi certeiro a afirmar, poucas semanas atrás, que nem a criatividade brasileira vai conseguir salvar o setor, porque o modelo, segundo ele, parte de premissas erradas que impedem o custeio do sistema. Se, por um lado, o SUS tem menos de US$ 100 bilhões anuais para atender mais de 150 milhões de pessoas, por outro, o sistema privado gasta uma vez e meia este valor para atender aproximadamente 50 milhões de segurados. Tem algo errado ou é só impressão minha?
 
Um caminho seria o fortalecimento das parcerias público-privadas (PPPs), que, quando encontram o cenário propício para crescer e florescer, têm se mostrado promissoras no enfrentamento dos problemas crônicos de gestão das nossas instituições de saúde. Certamente a entrada do investidor estrangeiro, aprovado por MP publicada no dia 20 de janeiro, trará mudanças significativas; e quem sabe não será o marco para que o país tenha o seu Sistema Brasileiro de Saúde. Mas esses são temas que voltaremos a explorar no momento oportuno. Por enquanto, feliz 2015 também para a saúde!
 
*Publicado na RHB, pág. 78 – Jan – Fev 2015