SUS AMEAÇADO
28/12/2017
A Operação Fatura Exposta é um dos casos mais recentes de fraude envolvendo a Saúde no País. Deflagrada pela força-tarefa da Lava Jato, em abril deste ano, a máfia formada por empresários e gestores públicos desviou de 40% a 60% de um total de R$ 500 milhões gastos pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro e pelo Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia em compras internacionais de equipamentos de alta complexidade, como macas elétricas, monitores transcutâneos, aparelhos cirúrgicos e unidades móveis de saúde.
“Os desvios foram equivalentes ao dobro do orçamento anual do Hospital Municipal Souza Aguiar do Rio, considerado uma das maiores unidades em emergência pública da América do Sul”, comparou o senador Ronaldo Caiado (DEM), em discurso na abertura do Congresso Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia, realizado em Goiânia, no dia 16 de novembro.
Assim como essa máfia, as operações Marcapasso, Monte Carlo, Saúde, Sanguessuga e Vampiro são outros exemplos de escândalos de corrupção envolvendo a Saúde, repercutidos recentemente no Brasil. Tratam-se de modelos práticos e sintomáticos de como as fraudes corroem o Sistema Único de Saúde e inviabilizam ainda mais uma assistência digna a milhares de brasileiros.
Para se ter uma ideia, de acordo com estudo da Fiesp, a cada ano, cerca de R$ 100 bilhões são perdidos com as práticas ilegais, representando até 2,3% do PIB brasileiro.
“É claro que há mais recursos para o SUS, visto que habitualmente a imprensa mostra episódios de milhões escondidos em apartamentos ou em instituições financeiras no exterior. Cabe a nós a mobilização para mudar essa realidade e tirar o sistema público de saúde do precipício”, reforça o presidente da Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomes do Amaral.
A inaptidão administrativa corrobora para a ineficiência do SUS. Fiscalização realizada pelo Tribunal de Contas da União no segundo semestre deste ano aponta que a situação da governança e da gestão em saúde pública nas esferas federal, estadual, distrital e municipal ainda é precária no País. No âmbito liderança, o relatório avalia que “93% dos conselhos estaduais e 53% dos conselhos municipais de saúde estão no estágio inicial de capacidade”. Já no quesito controle, cerca de 70% da capacidade dos conselhos estaduais e municipais também ocupam estágios iniciais. Além disso, o TCU assinala um número expressivo de acúmulo de funções no sistema.
Como consequência do descaso, vem a desvalorização da classe médica, segundo Caiado. “Defasagem entre os honorários médicos privados e os recebidos no âmbito do SUS; estrutura de pessoal inapropriada; e falta de material e condições para atendimento dos pacientes são os fatores básicos que dificultam o exercício da Medicina aqui”, pontua.
GOVERNO VERSUS ESTADO
De forma simplificada, políticas de governo respondem aos anseios colocados pela própria agenda partidária, com viés curto e simples e a intenção prioritária de se manter no poder. Já a política de Estado é pensada de maneira ampla – envolvendo estudos, simulações e análises técnicas de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários e relação custo x benefício.
Na prática, para completar o cenário desfavorável enfrentado pelo SUS, as medidas populistas com viés partidário se sobressaem, afirma Amaral. “O atendimento pleno aos usuários do sistema público de saúde – que deveria ser o compromisso primário dos gestores públicos – fica em último plano.”
A abertura acelerada de escolas médicas nos últimos anos, por exemplo, foi potencializada, a partir de 2013, com o programa Mais Médicos. Entidades representativas da Saúde afirmam que a grande maioria das novas faculdades não atende aos requisitos básicos para formar bons profissionais. Questionam, por exemplo, que muitas dessas instituições não possuem hospitais-escolas e docentes qualificados para um bom ensino. “É um clássico plano de governo, em detrimento de um plano de Estado”, destaca o presidente da APM.
Por isso, ele defende a união das entidades médicas em um pacto federativo como solução para enfrentar os desmazelos do SUS. “Enquanto sociedade civil organizada, temos de unir esforços, com as mais diversas contribuições, para não ver o desmonte do sistema. É nosso dever cuidar do usuário, do paciente.”
Caiado separa a luta pela Saúde em três frentes: “Para a classe médica, destaco a prioridade no rigor ético para o resgate da credibilidade da profissão; além da conscientização política, com o envolvimento direto dos profissionais no processo eleitoral de 2018, elegendo representantes que tenham compromisso com o setor. Para as entidades representativas, a união como forma de minimizar o despreparo do Governo na solução dos problemas da Saúde. E de todos os brasileiros, uma nova postura na escolha de seus representantes”, finaliza.
Matéria publicada na Revista da APM - edição 695 - dezembro 2017