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APÓS 4 TRANSPLANTES DEVIDO À FEBRE AMARELA, HC TREINA OUTRAS UNIDADES
24/01/2018

Após realizar quatro transplantes de fígado para tratar hepatite fulminante provocada por febre amarela, três na última semana, o Hospital das Clínicas de São Paulo começou a treinar outras instituições do país para replicar essa espécie de procedimento, até então inédito no mundo.

Pensando no futuro, o professor da USP declara que o governo erra ao não considerar a chance de vacinar os macacos em matas do Estado, em vez de imunizar a população. Com um pequeno percentual do dinheiro gasto para imunizar a população humana de São Paulo, seria possível vacinar os 50 mil macacos que vivem no Estado.

O primeiro centro transplantador habilitado é a Unicamp. Nesta terça , médicos de 11 clínicas de Brasil passaram por capacitação.

Faz 1 mês, se os contagiaram em Mairiporã e Franco da Rocha, os pacientes transplantados, todos com falência hepática, contraíram a enfermidade, têm entre 16 e 27 anos e em a Grande SP.

“Quando 11 pessoas faleceram, fiz um estudo com base no surto que aconteceu em Botucatu em 2009. Mostrei para o governo há quatro anos, adverti sobre as áreas onde as pessoas não estavam sendo vacinadas e que era preciso fazer uma campanha racional priorizando as zonas de mata, mas se ignorou isso. O governo não está escutando as instituições acadêmicas. Também houve um descuido do governo por não reforçar o estoque de vacina”, declarou o professor.

A primeira paciente a se submeter ao transplante, uma engenheira de 27 anos, saiu nesta terça da UTI, após quase um mês sob cuidados intensivos. Ela responde a estímulos, mas ainda não se comunica verbalmente.

“Ela chegou num estado dramático, bastante grave. Já tinha tido convulsões, achamos que não ia resistir. Cerca de 90% evoluem para morte nessas condições. O transplante era a única possibilidade”, conta Luiz Carneiro D’Albuquerque, chefe de transplantes de órgãos abdominais do HC e professor titular da USP.

Nesses casos, há devastação do fígado, seguida de uma série de distúrbios metabólicos, como insuficiência renal e edema cerebral.

Antes do caso da engenheira, se o transplante, havia a dúvida seria efetivo pois o vírus agride e se aloja em outros órgãos, como pâncreas, coração e rins. “É uma enfermidade sistêmica. Tem vírus para todos os lados”, explica Carneiro.

A suposição da equipe da HC era de que, com um fígado novo, a paciente poderia suportar o período da viremia e sobreviver.

“Foi o que ocorreu. Houve replicação viral até o terceiro dia, ela teve problemas, como uma encefalite da qual ainda se recupera, mas saiu [do quadro mais agudo]. Já está indo para o quarto”, declara.

A partir desse caso, a equipe conseguiu autorização dos comitês de Moralidade do HC e da Secretaria de Estado da Saúde para seguir adiante.

O segundo transplante de fígado por falência hepática provocada pela febre amarela aconteceu na terça passada . Um jovem de 20 anos chegou ao HC também em estado grave, com insuficiência hepática e edema cerebral. “Conseguimos mantê-lo vivo até chegar o fígado. No plantão da noite, ele tomou 73 concentrados de hemoderivados [dez vezes mais do que um paciente com falência hepática por outras razões].”

O paciente já não respira com assistência de aparelhos, mas continua em hemodiálise. Está estável, declara o médico.

O terceiro caso é de uma jovem de 21 anos, transplantada na sexta . Declara: “Também foi um caso dramático, bastante grave, que conseguimos suspender o curso [da enfermidade] graças a um órgão”.

O quarto transplante aconteceu no domingo . Trata-se de um adolescente de 16 anos que exibia hepatite fulminante e complicações neurológicas pela febre amarela. “Tiramos a sedação, ele está acordado, continua entubado, mas está evoluindo bem.”

‘CUSTO DEVASTADOR’

Segundo Carneiro, os casos mostraram que o transplante é a técnica terapêutica capaz de resgatar doentes nessas situações dramáticas.

“Nosso grande problema é o ‘timing’ de indicação do transplante. Já tivemos pacientes que evitamos o transplante por causa das complicações neurológicas e todos eles faleceram”, alega.

Se o paciente estiver com insuficiência hepática, baixos níveis de coagulação e instabilidade neurológica , para o médico o transplante deve acontecer logo.

“Eu não posso transplantar bastante cedo porque a cirurgia pode ser desnecessária. Mas, se for bastante tarde, o paciente pode falecer antes de chegar o órgão, ou durante a cirurgia ou logo depois.”

Outro desafio é o financiamento desses casos, que, segundo o médico, tem “preço devastador”. A estimativa é que tenham sido gastos de R$ 3 a R$ 4 milhões com esses quatro pacientes.

Para conservar o atendimento, o médico alega que vai precisar de reforço de caixa e da equipe médica e de enfermagem. “Estamos todos exaustos, trabalhando sem descanso. E não temos como sustentar o preço extra. Tenho compromissos com pacientes em lista de espera [para transplante de fígado por câncer ou outras enfermidades.”


Fonte: Folha de S. Paulo