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SUS, SANTAS CASAS PREPARAM PROPOSTA PARA MINISTÉRIO DA SAÚDE REGULAMENTAR LEI
14/06/2024

As Santas Casas e hospitais filantrópicos do Brasil passam por um momento crucial na sua história, que pode definir a continuidade da prestação de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS). Enfrentando seguidas crises financeiras, o setor busca soluções junto a estados e governo federal para solucionar a questão do financiamento e a defasagem da tabela SUS.

Com cerca de 8 bilhões de reais em dívidas, essas instituições buscam coparticipação dos estados e municípios para melhorar e ampliar o atendimento à população. Cerca de 70% dos procedimentos de alta complexidade do sistema público são realizados nas Santas Casas de todo o país. Em mais de 900 municípios brasileiros, hospitais filantrópicos são a única unidade de saúde disponível.

Em São Paulo, a Tabela SUS Paulista está vigente desde janeiro de 2024 e remunera em até 5 vezes o valor repassado pelo Ministério da Saúde. A análise das entidades do setor é que já é possível ver um respiro nas instituições contempladas, mas ainda estão compilando dados para ter uma melhor visão do impacto.

No âmbito nacional, a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) prepara uma proposta sobre o reajuste da tabela SUS, junto ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e ao Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), para levar ao Ministério da Saúde.

Com a vigência da lei 14.820 de 2024, que estabeleceu a revisão periódica dos valores para o custeio de serviços prestados ao SUS, a proposta da CMB é que a partir de 2025 o reajuste seja, no mínimo, o valor da inflação médica. A estimativa é que o impacto seja de 1 bilhão de reais. Por isso, requer negociação com o Ministério da Saúde sobre a proposta, que deve ser apresentada no 2º semestre.

“Se o Ministério da Saúde coloca que o SUS é o grande instrumento de saúde no Brasil, como pode o financiamento para essas instituições não ser único? Santas Casas em municípios diferentes recebem valores diferentes por conta da coparticipação. Essa discussão tem que ser feita, porque o sistema de saúde não é mais único. O que efetiva qualquer contratualização é a parte financeira”, afirma Mirócles Veras, presidente da CMB.

Crise histórica das Santas Casas

A crise financeira que atinge hospitais filantrópicos e Santas Casas em todo o Brasil não é exatamente uma novidade. Nas duas últimas décadas foi possível observar fechamento de serviços e unidades por falta de recursos, além de dívidas acumuladas. Os problemas são multifatoriais, mas a defasagem da tabela SUS, sem reajuste completo nos últimos 20 anos, é considerada um dos principais fatores.

Em 2021, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo vendeu a operação do Hospital Santa Isabel para a Rede D’Or por R$ 280 milhões para reduzir a dívida que tinha, que girava em torno de 400 milhões de reais. Estima-se que 500 Santas Casas fecharam entre 2017 e 2021.

“Há um problema estrutural que precisa ser resolvido e de difícil solução, que envolve diferentes interesses. De tempos em tempos adotam soluções de contorno que aliviam ou adiam o problema, mas permanece a situação porque há um padrão de articulação público-privada que não é estruturalmente sustentável”, aponta José Sestelo, doutor em Saúde Coletiva e pesquisador do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre o Empresariamento da Saúde (GPDES), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em 2023, o Ministério da Saúde liberou 2 bilhões de reais em recursos, de saldos remanescentes dos estados, para as Santas Casas e hospitais filantrópicos. De acordo com a CMB, esse montante foi importante para dar alívio às instituições, mas segue sendo insuficiente frente ao desafio. 

O acúmulo de dívidas e a falta de recursos afeta principalmente as unidades longe das capitais e estados com mais recursos, que possuem capacidade de ter uma coparticipação na receita proveniente do Ministério da Saúde. Governos locais fazem contratos com unidades específicas, de acordo com a demanda, para atender à população.

 “Pelo Brasil encontramos pequenas Santas Casas com um número pequeno de leitos, em cidades do interior do país, que atualmente sobrevivem com múltiplas fontes de financiamento e que são hospitais relativamente precários, mas com uma importância dada ao número de leitos espalhados no território nacional”, observa Sestelo.

No entanto, grandes Santas Casas conseguem contratos para atender beneficiários de planos de saúde, o que acaba por trazer mais recursos e uma melhor situação financeira, cobrindo o déficit do SUS, além de isenções fiscais. O pesquisador do GPDES aponta que é preciso ficar atento nesses casos para não criar disparidade nos atendimentos. “Temos casos com entrada diferenciada e padrão que beneficia o cliente privado”, alerta.

Sestelo vê uma dificuldade em resolver a situação financeira das Santas Casas pela discussão ter caráter político e administrativo, além da sustentabilidade orçamentária. Entretanto, a CMB vem buscando diálogo para resolver, de forma mais contundente, a questão do reajuste da tabela SUS.

Diálogo nacional

De acordo com a CMB, a tabela SUS paga hoje apenas 40% dos custos dos procedimentos realizados. Por isso, é preciso que haja um reajuste para equiparar ao menos os gastos que as unidades têm na prestação de serviços. Segundo Mirócles Veras, muitas vezes o que mantém esses hospitais filantrópicos abertos é a sua origem, focada em prestar um serviço à sociedade.

“A maioria das médias e grandes Santas Casas hoje estão preocupadas em estar crescendo, melhorar a gestão e ter atenção aos custos. O fechamento de uma Santa Casa é o caos para o SUS. O que não existe ainda é um reconhecimento de uma ação e um plano a nível do Governo Federal. Existem alguns projetos de incentivos a algumas áreas, mas não há uma política para as Santas Casas”, afirma o presidente da CMB.

Por isso, em parceria com o Conass e Conasems, a entidade elabora uma proposta para regulamentar a lei 14.820 de 2024, que define o reajuste periódico da tabela SUS, mas não o índice que deve ser considerado. A CMB defende que o valor seja, pelo menos, a inflação médica anual. O diálogo com o Ministério da Saúde deve ocorrer ainda em 2024 para que o reajuste ocorra no próximo ano.

Mirócles reforça que a situação das Santas Casas no Brasil é heterogênea, com particularidades regionais, mas a grande maioria segue em situação delicada. Aquelas que conseguem recursos de estados e municípios possuem uma melhor situação, mas isso cria uma disparidade no atendimento prestado, já que há regiões com mais ou menos recursos, tecnologia e serviços. A necessidade de reajustar a tabela SUS em todo o país serve também para trazer equidade.

Com as enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul, os hospitais localizados no estado passam por uma nova crise. Por isso, junto ao deputado Pedro Westphalen (PP-RS), dois projetos de leis surgiram para tentar sanar os impactos. Um deles visa seguir o pagamento mesmo sem produção, assim como foi na pandemia de Covid-19, de acordo com Mirócles. Outro visa ampliar por 36 meses os repasses para 2,5 vezes a tabela SUS. A CMB junto a outras entidades também conseguiu que a Caixa Econômica Federal suspendesse o pagamento de dívidas por 12 meses.

Tabela SUS Paulista e outras iniciativas

“O Governo do Estado de São Paulo criou uma tabela complementar do SUS, a Tabela SUS Paulista. Aqueles procedimentos mais realizados tiveram aumentos de até 5 vezes em comparação à tabela federal. Elas estão tendo um respiro, porque todas estavam endividadas. Das 409 Santas Casas e hospitais filantrópicos de São Paulo, 359 foram contemplados. Paga por produção: quem mais produz para o SUS, recebe mais”, afirma Edson Rogatti, diretor-presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp).

Apesar de ainda não ter dados compilados, Rogatti aponta que já é possível ver o impacto positivo em relação à situação financeira das unidades. Com a tabela valendo a partir de janeiro, os primeiros repasses iniciaram em março. Por isso, ainda será feita uma análise mais detalhada sobre o impacto.

“A Santa Casa de Palmital, que conta com 50 leitos, está fazendo cirurgias para a população de 28 cidades vizinhas, inclusive mutirões. Faz cerca de 50 cirurgias de catarata, por exemplo, em um fim de semana. Nos outros programas que tivemos no estado, as Santas Casas menores ficavam de fora. Agora, praticamente todas estão participando”, explica Rogatti.

Contudo, os hospitais podem priorizar alguns serviços que são melhores remunerados pela Tabela SUS Paulista. Em maio, a Folha de S.Paulo publicou informações de que médicos que faziam atendimento ambulatorial haviam sido demitidos pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que poderia estar privilegiando profissionais que realizam cirurgias e procedimentos presentes na tabela.

“Cada entidade tem sua particularidade e contratos. Ações desse tipo podem estar ligadas ao fechamento de serviços ou por questões de gestão. A Tabela SUS Paulista não trouxe à Santa Casa de São Paulo, segundo informações, um valor agregado a mais, porque ela possui contratos próprios com o estado. Mas há negociações com o Governo de São Paulo para que haja incremento para a urgência e emergência, além da Tabela SUS Paulista, dada a importância que a instituição tem”, afirma Mirócles Veras, da CMB.

Apesar de alguns estados possuírem remuneração por procedimento acima da tabela SUS nacional, apenas alguns procedimentos e hospitais são contratualizados. Por isso, enquanto busca um diálogo com o governo federal em relação ao reajuste da tabela nacional, a CMB tenta levar a Tabela SUS Paulista para outros estados. Também tem incentivado uma melhor gestão das Santas Casas.

Mais de 500 hospitais ligados à entidade aderiram ao projeto “Focus DRG Brasil” que busca capacitar gestores para analisar resultados econômicos e reduzir desperdícios com internações. O próximo passo é utilizar uma plataforma que utiliza o método diagnosis-related group (DRG), que cria um sistema de classificação e uma linha de cuidado para cada paciente, tornando mais previsível a provisão de custos.

 

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