Há muita suposição e pouca certeza sobre o vírus zika
Quase a totalidade dos registros de zika são tidos como suspeitos porque não há testes sorológicos suficientes para comproválos.
O diagnóstico da infecção tem sido feito com base nos sintomas, que, no início, confundemse com os da dengue.
Assim, as projeções do Ministério da Saúde sobre o zika são baseadas em casos descartados de dengue e chegam a números alarmantes mínimo de 497.593 e máximo de 1.482.701 casos.
Mas como confiar nessas projeções se em regiões epidêmicas para dengue, como São Paulo, o teste sorológico (para dengue) não é feito em todos os casos suspeitos? E os casos de zika assintomáticos (que representam 80% do total), entram nesse cálculo?
Pelas estimativas mais otimistas do ministério, o Estado de São Paulo deveria ser o campeão em casos de zika, com 236.494 registros. Mas, segundo o governo paulista, o Estado só tem quatro casos, sendo dois autóctones.
Para os infectologistas, é possível que muitos dos casos de dengue registrados no último verão em São Paulo já tenham sido do vírus zika. Mas, de novo, são suposições.
Em relação à microcefalia, as incertezas se repetem. Os 1.761 registros de má formação ainda são considerados suspeitos porque os bebês precisam passar por exames mais complexos para comprovála. Até agora, o vírus só foi encontrado em três do total de casos investigados.
Quando teremos essas confirmações de fato? O que é preciso? Mais especialistas, mais equipamentos?
A própria seleção dos casos de microcefalia pode apresentar vieses que preocupam neurologistas e especialistas em medicina fetal.
Ao estabelecer como principal critério de triagem a circunferência da cabeça do bebê (menor que 32 cm), o real tamanho do problema pode demorar para aparecer.
Em geral, a microcefalia ocorre quando uma lesão cerebral extensa leva à redução do volume do cérebro e, consequentemente, à diminuição da medida da circunferência da cabecinha do feto.
Mas exames de imagem feitos em bebês de mães que teriam sido infectadas pelo zika durante a gestação têm demonstrado várias lesões do tecido cerebral sem, contudo, levar a uma microcefalia.
Ou seja, a cabeça do bebê têm medidas normais, mas o cérebro apresenta problemas como calcificações e diminuição dos giros (gomos), ficando com um aspecto liso. "Tem que olhar o cérebro, não só a cabeça", alertam os médicos.
A própria associação entre o zika e a microcefalia carece de mais investigação pelos critérios da medicina baseada em evidência. Qual o risco de a grávida infectada pelo zika gerar um bebê com microcefalia? Ninguém sabe. O que existe até agora é medicina baseada em suposições.
A falta de respostas para muitas das questões que envolvem o zika e suas consequências é esperada pelo ineditismo da situação.
Embora o vírus tenha sido descrito pela primeira vez em 1947, só agora é que está chamando a atenção das autoridades sanitárias do mundo.
Ainda devem demorar as primeiras conclusões de estudos como o que vai demonstrar se o vírus sofreu mutações ao chegar ao Brasil ou se as pessoas que já tiveram dengue podem sofrer um impacto maior com o zika.
Mas algumas lições já podem ser tiradas desse caos sanitário. Uma delas é nunca mais subestimar um vírus desconhecido.
Em maio deste ano, ao confirmar a circulação do zika no país, o então ministro da Saúde, Artur Chioro, dizia que o novo vírus não preocupava: "É uma doença benigna e que tem cura." Sete meses depois, a situação já é considerada "gravíssima" pelo atual ministro, Marcelo Castro.