Fosfoamina, a polêmica pílula que virou \"esperança\" contra o câncer
Aos 15 anos, Nathy Estevam descobriu que tinha sarcoma, um tipo de câncer que se prolifera nos músculos ou ossos.
Com o tumor, quimioterapias, radioterapias e mais de 20 medicamentos passaram a fazer parte de sua rotina por 20 anos até ela depositar sua esperança em uma polêmica pílula contra o câncer cuja substância, a fosfoamina, ainda não teve a eficácia provada clinicamente.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou em novembro que destinará R$ 10 milhões até 2017 para pesquisas com o objetivo de verificar se ela tem efeito sobre a doença. Porém, mesmo a falta de comprovação não impede que pacientes como Nathy busquem a pílula como recurso.
"Eu vivia a dor, a angústia e o desespero esperando a morte em uma cama. A fosfo me trouxe amigos, luta, esperança e compaixão", disse ela à Agência Efe.
Nathy contou também que passou neste ano por dois momentos em que achou que morreria, mas em setembro encontrou uma "esperança de sobrevida" quando se deparou com notícias sobre a fosfoamina ou fosfoetanolamina.
"Para que tanta burocracia? Por que se libera compostos químicos para usar intravenoso em quimioterápicos e não se libera a fosfo, que funciona", alegou, confiante na eficácia do medicamento.
A pesquisa com a substância data do início da década de 1930, mas a curiosidade despertada pela "fosfo", como é carinhosamente chamada pelos pacientes, aconteceu de maneira inusitada no Brasil, quando o químico e professor da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Chierice, utilizou "uma metodologia clássica de sintetização", em que ela pode atuar sobre as células cancerígenas, segundo o professor.
De acordo com Chierice, a substância está no corpo humano, envolvendo as membranas plasmáticas do núcleo da célula, onde está o DNA e onde se identifica a presença do câncer nos pacientes, tendo propriedades anti-inflamatórias e ligada à defesa do organismo.
A fosfoetanolamina age como se grudasse na célula cancerígena, fazendo com que esta tenha uma morte programada, o que impede que o câncer se prolifere.
"Tenho certeza do benefício da fosfo, que é instantâneo. Eu até esqueci de tomar remédios para as dores (...) A substância tem que ser transformada em remédio logo, não pode ficar na clandestinidade", afirmou à Efe a paciente Bernadete Cioffi, que tem metástase óssea e recebeu a segunda remessa da pílula através de liminar.
De um lado, pacientes acionam a Justiça para receber gratuitamente a substância que o Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), produz com autorização de liminares.
"Eu recebi 58 pílulas através de liminar, que não deu nem para um mês de uso (...) Você sente a diferença nos primeiros quatro dias tomando fosfo, eu não sentia mais dor e nenhum efeito colateral", contou Nathy à Agência Efe.
As pílulas são enviadas por correio mediante aprovação judicial. No entanto, isso ocorre sem a indicação de como ou quantas devem ser tomadas, segundo a paciente. Alguns oncologistas que apoiam o uso da fosfo indicaram um protocolo sobre a posologia.
Do outro lado estão oncologistas contrários ao uso e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que explica que não há testes clínicos em seres humanos nem pedido de registro para a distribuição das cápsulas.
Para a Sociedade Brasileira de Oncologia (SBO), a substância precisa ser testada clinicamente e acompanhada por médicos, senão pode oferecer riscos à saúde dos pacientes.
"Não achamos que deve ser feita sequer uma liberação compulsória, porque isso pode ser perigoso para pacientes. Vemos com muito bons olhos o desenvolvimento de estudos sérios com a molécula (...) Mas é preciso avaliar se a medicação realmente é eficaz, muita coisa que pode falsear os efeitos da substância", explicou à Efe a membro da SBO, a oncologista Angélica Nogueira.
Já Chierice afirmou que de cerca de 60 mil pessoas teriam usado a pílula nos últimos 25 anos de pesquisa, segundo estimativas próprias, o que reitera a ação positiva nos pacientes, ainda que os relatos não valham para a Anvisa.
Quando questionado se a fosfoetanolamina tem potencial para curar o câncer, Chierice faz questão de não utilizar a palavra "cura", mas acredita que as "respostas positivas dos pacientes" servem de base para enxergar a eficácia da substância.
Mesmo aposentado, o pesquisador continua fornecendo materiais para a fabricação da pílula no Instituto em São Carlos, onde pesquisadores parceiros que o ajudaram no desenvolvimento dos testes e estudos permanecem manipulando a substância para os testes e pacientes.
Segundo Chierice, esses materiais são muito simples e custam pouco: cerca de R$ 0,10 por pílula. Por isso, ele luta para aprovação e distribuição gratuita no Sistema Único de Saúde (SUS).
"Qualquer pílula que for vendida é falsa. Eu nunca deixei vender", afirmou.
O pesquisador do Laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butantan, Durvanei Maria, está estudando e avaliando os efeitos da fosfoetanolamina em células tumorais e normais que servem como fase pré-clínica do trabalho.
Os testes estão sendo feitos por uma equipe de pesquisadores coordenados por Maria, que tem apresentado resultados para tumores de mamas, de fígado, leucemias, rim, pâncreas e osseosarcomas.
Até o momento, Maria não encontrou respostas negativas nas células animais e humanas pesquisadas por ele, apontando que a substância "matou diversos tipos de tumores em células de camundongos e células humanas".
"É claro que o paciente depende das evoluções e que o tipo de resposta vai variar, mas ele a terá", disse Maria, que crê que o problema da não liberação está no fato de a "indústria querer a patente e o lucro que isso pode gerar".
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou na quinta-feira (26) a liberação de R$ 2 milhões para acelerar as pesquisas com a substância, dinheiro que faz parte da verba de R$ 10 milhões que será liberada até 2017 a três centros de pesquisa, responsáveis por testar a eficácia e a segurança da fosfoetanolamina em ratos e camundongos.
Testes com a fosfo devem ser realizados em cinco hospitais da rede estadual de São Paulo, com a participação de até mil pacientes.