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A geração de bebês com microcefalia

Drielli, 26, estava irritada naquela quinta-feira. Na 38ª semana de gestação, ela tinha acordado às 5h, pego três ônibus até chegar ao hospital Roberto Santos, na periferia de Salvador.

 

Às 12h, ainda estava à espera da consulta com o obstetra que avaliaria a microcefalia no seu bebê. Reclamava de fome, já que haviam se passado seis horas desde que tinha comido um pãozinho com margarina, no café da manhã. Os trocados no bolso só davam para pagar os três ônibus que a levariam de volta para casa.

 
Conversei com ela e com outras dez jovens na mesma situação: esperando bebês com microcefalia. Todas relatam terem sido infectadas pelo vírus zika no início da gestação e só descobriram a má-formação no cérebro do feto no segundo ou terceiro ultrassom morfológico.
 
O sentimento era de tristeza, indignação, revolta e desolação. Tristeza por saber da gravidade das lesões cerebrais que os bebês carregam e a possibilidade de que eles nem sobrevivam (como aconteceu com o bebê de Drielli no sábado, dois dias depois da nossa conversa).
 
Indignação por terem feito tudo certinho: planejaram a gravidez, tomaram os cuidados necessários, mas foram infectadas pelo mosquito Aedes aegypti que carrega um vírus diabólico, capaz de causar graves lesões no período de formação do sistema nervoso do feto.
 
Revolta pelo despreparo dos profissionais de saúde. Uma das meninas conta que o médico disse na lata que seu bebê morreria ou ficaria "vegetal". Outra diz que a enfermeira perguntou se ela havia tomado algum abortivo para fazer "aquele estrago" no cérebro do feto.
 
Desolação por não saber o que esperar quando o bebê nascer. Quem vai prover os cuidados que essas crianças certamente vão necessitar, como neurologista infantil, fisioterapeuta, fonoaudiólogo entre outros?
 
Vê-las juntas, com suas barrigas de fim de gravidez, fiquei pensando na geração que vem por aí, a geração da microcefalia. Assim como tivemos a gerações da talidomida, da paralisia infantil.
 
São bebês que não têm culpa de terem nascido em um país em que as pessoas não cuidam do seu quintal, em que os governos não investem em prevenção e que a vigilância em saúde ainda é tão precária.
 
Estamos sempre correndo atrás do prejuízo. Os primeiros casos de microcefalia associados ao zika datam de agosto, mas a confirmação só veio no sábado. Hoje são 1.248 casos suspeitos de microcefalia em 14 Estados.
 
O Estado de São Paulo diz que o número de casos de microcefalia está dentro do esperado todos os anos, em torno de 44. Mas o que estamos fazendo para evitar um cenário como o do Nordeste? Qual o plano de ação? Tirando uma grande campanha de mídia para conscientizar a população sobre como evitar os criadouros do mosquito, nada no front.
 
Estamos fazendo campanhas há mais de três décadas e só acumulando fracassos em relação ao mosquito, que só se fortalece. Além de estar resistente a vários tipos de inseticida, é o vetor de quatro subtipos da dengue, do zika e o chikungunya.
 
Vale lembrar que o zika causa também a síndrome de Guillain-Barré, uma doença que começa paralisando as pernas, o tronco e pode paralisar os músculos respiratórios. Se a pessoa não for tratada a tempo, pode morrer.
 
Tem também o chikungunya, o outro vírus transmitido pelo Aedes e que causa dores articulares terríveis, às vezes, por anos. E, claro, a nossa velha conhecida dengue que neste ano já matou quase mil no país.
 
Sobre o zika, ainda há muitas perguntas sem respostas. É possível infectar-se mais de uma vez por esse vírus? Não sabemos.
 
Qual é taxa de mulheres que contraíram zika na gravidez e que os bebês vão desenvolver microcefalia? Tampouco fazemos ideia.
 
Com o verão se avizinhando, o que é possível fazer? Engajar-se, de verdade, na eliminação dos focos do mosquito, bezuntar-se de repelente, usar camisas de mangas longas, calças compridas e sapatos, são algumas recomendações dos especialistas. E rezar, eu acrescentaria.