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MILHARES AGUARDAM CIRURGIAS NO SUS
10/08/2018

Especialistas possuem diagnósticos semelhantes: o subfinanciamento do sistema resulta na falta de recursos materiais e humanos, fazendo com que a demanda por procedimentos eletivos seja enorme

A SAÚDE PÚBLICA segue submetida ao caos. Basta ser usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) para que seja possível identificar demora nas filas para consultas e procedimentos. Mas o número de cirurgias eletivas represadas é assustador: segundo levantamento do CFM, em dezembro último, são mais de 900 mil. Isso somente levando em consideração as informações levantadas com as secretarias de Saúde de 16 estados e 10 capitais.

A situação é desesperadora. Ilustremos: em São Paulo, os dados (que têm como data de corte junho de 2017) mostram que a fila da cirurgia de catarata tem mais de 23 mil pessoas. Em Minas Gerais, aproximadamente 31 mil cidadãos aguardam por uma cirurgia de varizes.

O andamento é moroso: em Goiás, na fila para a cirurgia da catarata (que tem quase 15 mil pacientes), a primeira pessoa a ser incluída na espera foi em 2007.

No cenário das capitais, São Paulo é campeã em filas: são mais de 30 mil cirurgias aguardadas, com destaque para as ortopédicas, representando pouco mais de um terço desta quantidade. Belo Horizonte é vice-campeã da infame lista: mais de 25 mil pessoas esperam a sua vez, e a histeroscopia é o procedimento mais demandado. Fortaleza, que vem na sequência (também com aproximadamente 25 mil cidadãos aguardando sua cirurgia), impressiona pela demora: há quem esteja na fila desde 2003.

Fundamentalmente, estas filas estão relacionadas ao subfinanciamento do SUS, denúncia recorrente da Associação Paulista de Medicina. Para o vice-presidente da entidade, Akira Ishida, esse fator acarreta, sobretudo, na falta de material para a realização cirúrgica. “Não há falta de leitos, muito pelo contrário: sobram leitos no Brasil. Mas não adianta haver espaços para acomodar pacientes, se não há centros preparados para procedimentos cirúrgicos.”

Renato Azevedo Junior, diretor Social da APM, concorda com a leitura de Akira e acrescenta: “O subfinanciamento, por vezes, leva também à falta de médicos e enfermeiros, dificultando com que as filas de cirurgias andem”. Hoje, conforme explica Azevedo, já há um quadro de doenças mais graves represadas, com uma população importante à espera de atendimento cirúrgico em, por exemplo, casos de câncer de próstata, o que pode acentuar a situação.

“Primeiro: o sistema precisa se organizar. O médico que trabalha no serviço público tem que ter uma carreira de Estado. Hoje, pelo contrário, as iniciativas afastam o médico da assistência pública, por conta da baixa remuneração, das más condições de trabalho e da falta de projeção de carreira”, avalia o ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).

IMPACTO NAS ESPECIALIDADES

Akira Ishida, ao entrar em sua especialidade, detalha: “Na Ortopedia e Traumatologia, por exemplo, os materiais usados são caros. As cirurgias precisam de um centro médico sofisticado e o hospital deve ter boas condições para realizar estes procedimentos. Há uma série de normas técnicas para a realização assistencial. Por isso, hoje, o ortopedista muitas vezes não tem condições de realizar essas cirurgias”. No estado de São Paulo, as cirurgias do sistema osteomuscular somam mais de 10 mil pessoas na fila. Entre os procedimentos mais demandados para os ortopedistas, estão: a artroplastia total primária do joelho e a reconstrução ligamentar intra-articular do joelho.

Considerando apenas capital, as cirurgias ortopédicas são maioria: mais de 20 mil pessoas esperando por procedimentos no joelho, no pé, no ombro e no quadril, entre outros locais.

Já no que tange à Ginecologia e Obstetrícia, o município de São Paulo vê uma fila de cirurgias gerais maior que 700 pessoas. No estado, quem quiser realizar uma laqueadura, por exemplo, tem que enfrentar uma espera de outras 500 pessoas. Para Maria Rita de Souza Mesquita, vice-presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), um dos grandes problemas é que uma situação simples pode se agravar por conta da demora.

ESTRUTURA - Conforme relata Akira Ishida, médicos enfrentam falta de materiais e espaços adequados

“Essa demanda reprimida é uma realidade nacional. Hoje, o ginecologista e obstetra sofre demais, claro, até por que muitas vezes cuida de duas vidas: a da gestante e a do feto. Além disso, eles possuem honorários pequenos em relação ao trabalho e à responsabilidade.

E o problema aumenta com a tentativa de maquiar estas filas, como a criação de planos de saúde populares. De qualquer forma, essa é uma questão que só se resolverá com mudança da política de Saúde do Brasil, com mais verbas, destinadas a todas as especialidades”, frisa.

AGRAVAMENTO - Maria Rita Mesquita reforça que uma situação simples pode se agravar por conta da demora

E o que os cirurgiões têm para dizer? Segundo Carlos Eduardo Jacob, mestre do Colégio Brasileiro de Cirurgiões — Capítulo São Paulo, o aumento de filas no SUS é uma consequência direta da crise econômica que assola o País. Primeiro porque os pacientes que tinham planos de saúde diminuíram muito.

Também pois o repasse para hospitais caiu, fazendo com que eles tenham que se adequar aos novos recursos, muitas vezes diminuindo o número de procedimentos realizados.

“É necessário que melhoremos a gestão, racionalizando gastos e que o Brasil possa crescer. O papel dos hospitais universitários e beneficentes é fundamental, também. Vemos que, nos vários níveis de governo, houve queda na assistência pública e quem sente essa situação é a população, principalmente.

“As crianças e os adolescentes podem ter seu futuro prejudicado por essas longas filas” CLÓVIS CONSTANTINO

Não há dúvida que também os cirurgiões são prejudicados. O profissional quer trabalhar, mas muitas vezes não possui materiais ou recursos humanos para fazer os procedimentos”, declara Jacob, que é presidente do Departamento Científico de Cirurgia da APM.

O ex-presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (Saesp), Oscar César Pires, também aponta para as dificuldades de sua especialidade: “Estamos nos ambulatórios de avaliação e centros cirúrgicos e trabalhamos rotineiramente.

“Muitas vezes há atrasos nos repasses dos governos, faltam medicamentos e condições adequadas para tratar o paciente” OSCAR CÉSAR PIRES

Nossa atuação, no entanto, é dificultada pois muitas vezes há atrasos nos repasses dos governos, faltam medicamentos e condições adequadas para tratar o paciente. Muitas vezes estamos vendo colegas sem conseguir trabalhar também. Aqueles que atuam por demanda, com a queda do número de procedimentos realizados pelos hospitais, acabam saindo prejudicados”.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Os pediatras identificaram nestes dados do CFM que cerca de 70 mil crianças e adolescentes até 19 anos formam fila para cirurgias eletivas. Minas Gerais é o estado com a maior: são mais de 50 mil. O procedimento mais demandado é a retirada de amígdala e/ou adenoide.

Na capital paulista, são quase quatro mil crianças nas filas, a maioria aguardando uma cirurgia ortopédica.

O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Clóvis Francisco Constantino, opina: “Cirurgias eletivas são necessárias para que se corrijam alterações ortopédicas, oftalmológicas etc. Para que as crianças superem esses problemas e retomem o crescimento e o desenvolvimento. Quando há atrasos nessa resolução, há prejuízo. As crianças e os adolescentes podem ter seu futuro prejudicado por essas longas filas”.

Para Constantino, esse é um problema que o poder público precisa resolver. “Já nos reunimos com eles algumas vezes, apontamos os problemas de gestão e alertamos sobre a importância da correção dos rumos da Saúde, mas nada foi feito. O nosso trabalho como pediatra fica, assim, prejudicado. Mas muito pior: a saúde destes pacientes fica prejudicada”, conclui.


Publicado na Revista da APM - edição 701 - julho