POLÍTICA PÚBLICA PARA UMA SAÚDE SUSTENTÁVEL
03/01/2019
Um dos grandes dilemas para a sociedade neste momento é como continuar financiando os sistemas de saúde públicos e privados diante da mudança do perfil na assistência, sobretudo por conta do envelhecimento da população. Em fórum sobre saúde no ano passado, por exemplo, especialistas concordaram: já nasceram os brasileiros que devem chegar aos 150 anos de vida. Por outro lado, “viver mais, à luz do mundo que temos hoje, vai custar mais”, afirmou o médico Marcos Ferraz Bosi, professor da Escola Paulista de Medicina, na ocasião.
Está claro que o sistema atual é insustentável e é preciso promover uma intervenção profunda em sua dinâmica o mais rápido possível. É necessário, sim, mais dinheiro, porém é indispensável uma mudança de orientação, com a inserção de novas ideias e práticas. O fundamento da assistência à saúde deve ser definitivamente voltado para um objetivo que contemple prevenção e resolubilidade, além da humanização no tratamento dos pacientes, e não para o tratamento da doença, já instalada nas pessoas e muitas vezes de difícil reversão. Para isso será indispensável uma revisão nos processos, aperfeiçoamento de gestão, incorporação de tecnologia e novas formas de remuneração.
Nesse sentido, uma parceria entre o governo do Estado de São Paulo e as Santas Casas e instituições filantrópicas aponta a direção. Há três anos, entendendo que o socorro pontual às dificuldades financeiras provocadas pela defasagem na tabela SUS era somente uma solução paliativa, o governo propôs a criação de um programa para incentivar aperfeiçoamentos estruturais e a adoção de melhores práticas de atenção e gestão, em vez de apenas pagar pelos procedimentos realizados pelos hospitais. O raciocínio era que fazendo melhor, com mais efetividade, seria possível fazer mais com menos dinheiro. Uma lógica que se provou acertada.
Em resumo, o programa Santas Casas SUStentáveis estabelece metas para as instituições, considerando etapas que concorram para o melhor e mais ágil restabelecimento dos pacientes. E de acordo com o cumprimento desses requisitos, o hospital recebe uma bonificação na remuneração. Hoje é unanimidade entre os especialistas que a sociedade deve pagar pela saúde, e não pela doença, como no formato atual.
Pois é exatamente isso que o programa está fazendo, com a implementação de mecanismo capaz de corrigir distorções históricas da rede pública de saúde, na qual as instituições filantrópicas respondem por mais da metade do volume de atendimentos, principalmente os de alta complexidade.
Inicialmente, o programa institui uma rede de serviços hierarquizada, com hospitais chamados “estruturantes” localizados nas principais cidades das regiões do Estado, servindo de referência para as outras unidades menores – “estratégicas” e “de apoio” – na organização do atendimento e no treinamento dos profissionais. Esse topo da pirâmide ainda faz a distribuição dos pacientes entre as unidades da rede respeitando as características de cada caso, tratando o simples de maneira simples e o complexo de maneira complexa. E, além do encaminhamento e consequente tratamento mais eficientes, a hierarquização permite o compartilhamento de informações comuns com todas as instituições e profissionais.
Para entrar nesse sistema e receber remuneração extra, o hospital assume diversas responsabilidades. De imediato, o hospital põe à disposição seus recursos assistenciais, além de informações sobre os tratamentos, dentro de um modelo predeterminado pelo programa que permite integração dos serviços e maior resolubilidade das ações.
Também deve implantar e implementar protocolo de acolhimento e de classificação de risco e treinar os profissionais de acordo com as melhores práticas de recursos humanos, entre várias outras melhorias. No total, os hospitais devem atender a 33 indicadores de qualificação da gestão e 11 indicadores de produção. São aperfeiçoamentos que, comprovadamente, produzem resultados.
O programa permitiu, indiretamente, a redução de problemas pontuais de gestão, presentes em alguns hospitais filantrópicos. Como em qualquer empresa, há alguns gestores que têm dificuldade de definir estratégias para alcançar todas as metas ou de pensar em novas soluções para melhorar os resultados e o SUStentáveis trouxe essa possibilidade para aqueles que se enquadravam nesse perfil.
Dessa forma, atendendo mais e melhor, as instituições, antes em dificuldades financeiras, incorporaram novas receitas por meio do programa. São recursos que proporcionaram melhorias significativas, antes consideradas impossíveis, quando as instituições contavam apenas com o fluxo de caixa limitado ao pagamento por procedimentos.
O programa criou um ciclo virtuoso, no qual fazendo melhor o hospital vai receber mais e recebendo mais vai fazer ainda melhor. Para os cofres públicos, neste caso, pagar mais, ao contrário do que parece, significa economia. Pois combate desperdícios e diminui retrabalho. E o mais importante, oferece atendimento de mais qualidade e mais saúde à população.
Os demais Estados brasileiros deveriam inspirar-se nessa receita que deu certo em São Paulo, aprofundar-se no programa e adaptá-lo à realidade de sua região. Esperar atitudes em longo prazo do governo federal ou a atualização da tabela SUS não pode ser mais uma opção. Chegamos a uma realidade em que novas ações devem ser levadas a efeito e ideias devem ser reestruturadas. Não se trata mais de uma escolha, mas sim de uma obrigação, especialmente para os que acreditam na sustentabilidade da saúde filantrópica e num cenário melhor para os 150 milhões de brasileiros que utilizam o Sistema Único de Saúde.
*DIRETOR-PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS SANTAS CASAS E HOSPITAIS BENEFICENTES DO ESTADO DE SÃO PAULO
Fonte: O Estado de S.Paulo