CORONAVÍRUS NO BRASIL ELEVA PRESSÃO NA REDE DE SAÚDE, MAS CALOR PODE REDUZIR RISCO DE EPIDEMIA
27/02/2020
SÃO PAULO E BRASÍLIA - Com a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no Brasil – um empresário de 61 anos em São Paulo –, subiu o alerta para a possibilidade de epidemia no País, e os governos começaram a colocar em prática os planos de vigilância e controle para tentar conter a doença. Mas se o momento é de atenção, ele requer também cautela. O risco, talvez mais do que a epidemia em si, é de que o pânico da população possa levar a uma corrida desnecessária e uma sobrecarga do sistema de saúde.
Esta foi a tônica dos pronunciamentos feitos nesta quarta-feira, 26, pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e também é o que defendem os especialistas. Todos explicam que, apesar de ser uma doença nova, sobre a qual ainda não se conhece completamente a dinâmica de transmissão, trata-se de uma síndrome respiratória, com epidemiologia parecida com outras que já foram enfrentadas no Brasil.
E como as gripes, em geral, se manifestam com mais facilidade no inverno, o fato de o vírus ter chegado aqui no verão pode ser um fator que ajude a desacelerar uma propagação imediata.
É a primeira vez que o vírus é identificado na América Latina e a segunda no hemisfério sul. Além do Brasil, também chegou a Austrália onde, de acordo com o último balanço da Organização Mundial de Saúde (OMS), já foram confirmados 23 casos, sem nenhuma morte.
“Vamos ver agora como o vírus vai se comportar em um país tropical, em pleno verão. É um vírus novo. Pode manter o padrão que já vem se apresentando no hemisfério norte, mas (vamos ver) agora aqui no sul”, afirmou nesta quarta, em coletiva à imprensa, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
O Covid-19 tem sido transmitido rapidamente – até porque encontra populações que não têm nenhuma imunidade para ela –, mas, em média, em todo mundo, calcula-se que cada pessoa que foi infectada contaminou somente outras duas ou três pessoas, explicou o secretário executivo da pasta, João Gabbardo dos Reis.
“É uma gripe, mais uma que o mundo terá de enfrentar”, afirmou Mandetta, enfatizando que a doença não tem se mostrado grave. A taxa de mortalidade, em média, é de 2% a 3%, e tem atingido principalmente os idosos. A maioria apresenta um quadro de leve a moderado.
“Na grande maioria dos casos, os que pegam evoluem muito bem, obrigado e saem depois e vivem sua vida como se nada tivesse acontecido”, disse o ministro. Para ele, a questão mais delicada neste momento é o que vem sendo chamado de “infodemia” – epidemia de informações que estão gerando “ansiedade e insegurança.”
O Brasil tem 20 casos suspeitos, em sete Estados (São Paulo, Minas, Rio, Santa Catarina, Paraíba, Pernambuco e Espírito Santo). Até agora, 59 já foram descartados.
O governo está em fase final de compra de equipamentos, como máscaras e luvas. Já a contratação de mil leitos em hospitais, anunciada em janeiro, ainda está em análise. O governo corre para comprar imunoglobulina, usada para amenizar efeitos de infecções.
Segundo o presidente do conselho dos secretários de Saúde, Alberto Beltrame, nos planos apresentados pelos Estados, foram consideradas como fatores de maior preocupação a fronteira com a Venezuela, em Roraima, e a grande circulação de estrangeiros no Aeroporto de Guarulhos (SP).
Plano do Brasil segue protocolos internacionais
Especialistas ouvidos pelo Estado apontam que o planejamento feito pelo Brasil para vigilância e controle segue o regulamento sanitário internacional e que epidemias anteriores, como a de influenza H1N1, em 2009, trouxe experiência para lidar com a situação. Mas lembram que há problemas estruturais em alguns sistemas de saúde no País e que uma possível epidemia de coronavírus vai concorrer com outras moléstias que já temos, como dengue.
Eles alertam também que será necessário ter uma comunicação firme e franca com a população para evitar uma sobrecarga no sistema com casos leves, o que pode fazer com que falte atendimento para casos graves.
Rivaldo Cunha, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, destaca que o verão talvez possa dar ao País um pouco mais de tempo para se preparar.
“Sabemos que há a possibilidade de transmissão sustentada dentro do País. Mas não sabemos ainda onde e quando vai acontecer. Considerando as características de vírus respiratórios, como o influenza, a expectativa é o surto ocorra nos meses mais frios, durante os quais as pessoas ficam mais confinadas”, disse.
“É o que acontece com todos os outros vírus respiratórios. Pode ocorrer antes desse período sazonal? Pode. Mas podem ser menos casos. Neste momento, porém, temos de ver primeiro como vão ser os desdobramentos desse primeiro caso, se pessoas que não saíram do País vão apresentar a manifestação, para vermos como vai se desenrolar.”
Na fase atual do Covid-19 no País, com apenas um caso confirmado, ainda se atua na tentativa de conter o problema. “Neste momento, só deve procurar o sistema de saúde quem tiver sintomas respiratórios (coriza, tosse, dor de garganta, dificuldade de respirar), acompanhados de febre. E que tenham estado, nos 14 dias anteriores ao início dos sintomas, em uma área que tenha transmissão local da doença, como a China e a Itália, ou em contato com alguém infectado ou suspeito”, explica a médica Carolina Lázari, assessora em Infectologia do Fleury Medicina e Saúde. Assista à entrevista que ela concedeu ao Estado.
Pessoas fora dessas condições, por ora, não estão sob suspeita. “Não é motivo de pânico. Não é um vírus que tenha se mostrado mais letal do que outros vírus respiratórios”, afirma. “Parece ser bem transmissível, mas não é mais letal. É mais uma das epidemias de vírus respiratórios que a gente já passou e ainda passará.”
Como ainda estão sendo adotadas medidas de contenção, pessoas que tiverem a infecção confirmada precisam manter isolamento respiratório. Mas, assim como está ocorrendo com o primeiro paciente identificado, isso pode ocorrer dentro de casa, com os devidos cuidados sendo tomados, como o uso de máscara pelo paciente.
Comunicação é um dos maiores desafios
“O maior desafio é de comunicação. Acredito que neste momento a sobrecarga pode vir das classes mais altas, que contam com recursos médicos privados. São elas que viajam ou que têm mais contato com viajantes internacionais. Como conseguem pagar por um teste em laboratórios que estão oferecendo o teste, logo saem notícias de que esses locais estão lotados. E isso gera pânico em quem não tem acesso ao serviço privado”, comenta Nancy Bellei, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
“É preciso preparar a população para uma situação em que as pessoas tenham de fazer uma auto-avaliação das suas condições antes de procurar um serviço de saúde.
“O pânico não ajuda a resolver um problema de saúde coletiva. Temos de ter serenidade, entender que é uma situação grave de saúde pública que o mundo está vivendo e que vem se somar a outros problemas com os quais já convivemos”, afirma Cunha.
Segundo ele, um número muito grande de casos é autolimitado, ou seja, a pessoa fica doente, mas o problema se resolve sozinho, em alguns dias.
“Sabemos que os quadros mais intensos têm ocorrido com pessoas mais velhas e com outras condições de base, como hipertensão, diabetes, doença pulmonar crônica, problemas cardíacos. E isso também não é surpresa, já vimos antes”, diz. “É importante que a população saiba quais os grupos mais vulneráveis para um quadro mais grave e entendam que, diante de uma manifestação clínica, não devem ir à escola, trabalho, se possível, não usar transporte público, cuidar da higiene para não levar a doença para outras pessoas.”
Fonte: O Estado de S.Paulo