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SANTAS CASAS TÊM ALÍVIO TEMPORÁRIO
02/04/2020

O aumento dos preços de máscaras cirúrgicas, aventais médicos, luvas e outros itens usados nos hospitais levou as Santas Casas a lançarem campanhas de arrecadação para compra desses materiais - conhecidos como EPIs - equipamentos de proteção individual. As doações aumentaram nos últimos dias, seja em dinheiro ou em produtos, um movimento que traz certo alento para essas instituições, que historicamente enfrentam sérias dificuldades de caixa.

Na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Araraquara (SP), a Lupo mobilizou 40 colaboradores que estavam em férias coletivas e fabricou, no fim de semana, 3 mil máscaras cirúrgicas para o hospital. O modelo foi aprovado antes por técnicos da Santa Casa, segundo Rogério Bartkevicius, diretor geral da instituição.

A Usina Santa Cruz está fornecendo álcool a 70%, a Unesp e Araquímica Araraquara entregaram álcool em gel, pizzarias revertem para o hospital dinheiro de vendas, Senai doou máscaras e luvas e a Cacau Show presenteou os colaboradores com chocolates. Com a escassez de EPIs, segundo Bartkevicius, o preço de alguns itens subiu 3.000%. “Uma máscara N-95 pela qual pagávamos R$ 1,50, está sendo vendida a R$ 70. Isso afetou toda a cadeia de suprimento.”

A instituição é referência para 23 municípios da região, com atendimentos de alta complexidade, 200 leitos de internação, sendo 18 de UTI. Para enfrentar a pandemia, ofereceu ao governo do Estado 10 leitos extras de UTI e 10 em isolamento. “Estamos esperando para saber quais santas casas serão beneficiadas pelos recursos anunciados pelo governo.” Na segunda-feira, o governador João Doria (PSDB) anunciou liberação de R$ 100 milhões para santas casas e hospitais filantrópicos do Estado.

Esses gestos de solidariedade ajudam, mas são uma gota d’água num oceano de necessidades. As santas casas deviam R$ 24 bilhões em 2019, 218 hospitais foram desativados entre 2015 e 2018, o equivalente a 11 mil leitos e 42 mil empregos diretos a menos, segundo a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), que representa 1.788 hospitais, com 180 mil leitos e cerca de 16 mil leitos de UTI. Essa rede responde por cerca de 50% de todo o atendimento do SUS.

Segundo Mirocles Campos Véras Neto, presidente da CMB, em mais de 700 municípios, a Santa Casa é o único hospital disponível. “Essas pequenas doações são bem-vindas. Mas as instituições estão descapitalizadas e muitas redes públicas vão entrar em colapso por causa da pandemia.” Depois que começou a crise, a CMB verificou alta de 600% no valor dos EPIs.

“A Caixa lançou uma linha de crédito para o setor que não vai ser capaz de nos atender. Os juros ainda são muito altos.” Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou R$ 5 bilhões em crédito a juros de 10% ao ano. “Os juros deveriam ser zero”, diz o presidente da CMB.

“Dez porcento é muito alto, creio que suportamos pagar 8%”, afirma Antonio Penteado Mendonça, provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), que trabalha com orçamento anual de R$ 800 milhões. A instituição conta com cinco unidades de saúde, num total de mil leitos, e faz 2,5 milhões de atendimentos por ano, dos quais mais de 90% são do SUS. A rede separou cem leitos no Hospital São Luiz Gonzaga, e uma UTI com 10 leitos em isolamento. Uma campanha de arrecadação levantou, até segunda-feira, R$ 3 milhões, além de muitos EPIs.

 

“A epidemia mal começou. Estamos ainda em aquecimento no vestiário”, diz Mendonça, para quem a rapidez com que as UTIs do Estado estão ficando lotadas é preocupante. “Temos condição de fazer mais 250 leitos de UTI em isolamento em pouco tempo, mas o custo de cada uma é R$ 130 mil. Para tanto, precisamos que entrem os recursos”, diz o provedor.

As finanças da ISCMSP melhoraram, segundo Mendonça, depois de uma restruturação na dívida que permitiu abater R$ 350 milhões do passivo e refinanciar o restante em 15 anos. Sem revelar o valor, Mendonça diz que a instituição saiu de um prejuízo de R$ 63 milhões em 2018 para resultado positivo em 2019.

Com dinheiro doado pela GT Building, Blablu e Buhrer, a Santa Casa de Curitiba inaugura nesta semana 10 leitos de UTI, que elevarão para 48 o total disponível. Os recursos ajudaram na compra dos respiradores e monitores, que custam em média R$ 90 mil cada. Uma campanha lançada há duas semanas espera levantar R$ 1,5 milhão, em parte para cobrir o aumento dos custos. “Gastávamos por mês com EPIs cerca de R$ 200 mil, mas este custo subiu para R$ 1,2 milhão”, afirma Eduardo Bistratini Otoni, diretor geral da Santa Casa de Curitiba. Até o dia 27, a campanha havia arrecadado R$ 204 mil.

O hospital tem 243 leitos, sem contar as novas UTIs, e atende por ano mais de 120 mil pacientes, dos quais 80% são pelo SUS. “Conseguimos manter, com muito esforço, um certo equilíbrio financeiro.”

A Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza recebeu esta semana do projeto municipal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso, mantido por isenção fiscal, 350 kg de hortaliças, para ajudar nas refeições. Pequenos comércios e restaurantes doaram alimentos, itens de higiene e álcool em gel. “São doações isoladas, de gente que já passou por aqui e sabe da nossa importância. Mas os ricos não têm contribuído”, diz Luiz Marques, provedor da Santa Casa. O hospital atende 400 pessoas por dia e tem 3 em observação por suspeita de covid-19. Opera com déficit mensal de R$ 1,2 milhão. Uma campanha permanente de doação via conta de luz, paga parte das contas. “Quem nos ajuda são os mais pobres.”


Valor Econômico