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FABRICANTES DE OXIGÊNIO SÃO ALVO DE AÇÃO COLETIVA DE INDENIZAÇÃO POR PRÁTICA DE SOBREPREÇO
10/05/2021

Condenado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) há mais de dez anos a uma multa de R$ 2,3 bilhões, o Cartel do Oxigênio se livrou da punição na Justiça, mas ainda poderá ter de indenizar hospitais lesados pela prática de sobrepreço.

Uma ação coletiva ajuizada pela Federação de Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo e que tramita há 7 anos em paralelo à ação que levou o Cade a condenar White Martins, Linde, Air Liquide, Air Products e IBG por formação de cartel, teve alguns desdobramentos recentes e está em fase de perícia para apurar valores para uma indenização pela prática de preços abusivos.

Em abril, após contestação das fabricantes de oxigênio, o Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a atuação do Cade no caso: o órgão antitruste agora faz parte do processo como amicus curiae ou amigo da corte — condição que permitirá ao órgão auxiliar o juiz a interpretar o direito concorrencial em disputa. E em fevereiro, o Ministério Público, em função da pandemia da covid-19, também entrou no caso, na qualidade de custos legis ou fiscal da lei.

A tragédia da falta de oxigênio para tratamento de pacientes com Covid nos hospitais de Manaus trouxe a lembrança da condenação do cartel e expôs a dependência dos hospitais a um pequeno número de empresas e de como contratos de largo prazo dificultam o acesso de fabricantes e revendedores de usinas de oxigênio aos hospitais. O tema está na pauta da CPI da Covid no Congresso, que deve convocar executivos da White Martins a depor.

Embora a multa aplicada pelo Cade e a responsabilização criminal pelos crimes de ordem econômica tenham sido anuladas no STJ sob o argumento de que uma das provas fora obtida de maneira ilegal, contaminando todo o processo e demais provas, a defesa dos hospitais filantrópicos conseguiu, na esfera civil, validar as provas lícitas colhidas pela Secretaria de Defesa Econômica e pela Polícia Federal e que comprovariam a existência de cartel. (O Cade recorreu da decisão do STJ e o caso aguarda há anos, uma decisão do Supremo.)

— As provas são robustas e incontestáveis e, no ano passado, conseguimos no STJ uma manifestação de que as provas são validas. O fato de uma regra de processo criminal ter inutilizado as provas, não significa que não houve lesão a hospitais e consumidores e que não houve crime — diz o advogado Luis Carlos Pascual, do escritório Pascual Advogados, que está a frente do caso em um consórcio com o Araújo e Policastro Advogados. — Todos os lesados têm direito a perdas e danos — completa.

Na ação, a federação dos hospitais filantrópicos pede o ressarcimento no valor equivalente a 30% de sobrepreço em relação aos contratos dos últimos 15 anos, em média. Segundo Pascual, os valores totais podem chegar ao valor da multa bilionária aplicada pelo Cade, beneficiando mais de 1000 hospitais de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, podendo se estender também aos demais hospitais filantrópicos e até para os privados. Em valores corrigidos, a conta seria na casa de R$ 3,5 bilhões.

— O sobrepreço tem um impacto que onera todo a cadeia de saúde em progressão geométrica. Se voce precisar de internação, vai precisar de oxigênio. E isso reverbera na conta do hospital, do plano de saúde. Toda a cadeia é afetada — diz Luis.

Em uma manifestação nos autos de fevereiro, o promotor Arthur Pinto Filho, do MP de São Paulo, justificou seu interesse em atuar na causa para fiscalizar o cumprimento da lei: “Apesar da ação prever pedido indenizatório em favor de hospitais, evidentemente que o processo envolve interesses difusos atrelados à saúde pública, tendo em vista o pedido de abstenção da prática de condutas próprias por parte das rés. A existência de cartel na área em lume foi uma das causas apontadas por especialistas para a tragédia que se abateu sobre Manaus, com hospitais sem oxigênio”, escreveu o MP.

Diz ainda o MP: “se confirmada a existência de cartel, é patente o prejuízo a todos os usuários de serviços de saúde pública e privada, vez que o aumento abusivo de preços, para aumento arbitrário de lucros de oligopólio, reduz o poder econômico de compra dos insumos medicos pelos hospitais e, consequentemente, gera problemas estruturais em equipamentos de saúde, bem como piora de atendimento e na prestação de serviço.”

— Estamos presenciando uma mudança de percepção do MP, que agora compreendeu a importância da defesa da concorrência para defesa do livre mercado e dos consumidores — diz o advogado e professor da FGV Luciano Timm. — E do lado do CADE, também estamos vendo um maior ativismo. O órgão antitruste não costumava intervir como interessado.


Publicado: 05/05/2021- Por: O Globo