AS SANTAS CASAS PRECISAM SER SUSTENTÁVEIS
11/04/2022
A história das santas casas está diretamente ligada à política assistencial de saúde do Brasil. Desde que a primeira delas foi fundada, em 1539, na cidade de Olinda (PE), ficou evidente a importância desse tipo de instituição no atendimento a pessoas enfermas e carentes. O país conta com mais de duas mil santas casas, mas a situação em que se encontram é incompatível com sua importância.
Segundo dados do Ministério da Saúde, essas instituições realizam mais da metade dos atendimentos ambulatoriais e internações hospitalares via SUS. Em muitos municípios do interior do Brasil, as santas casas são o único recurso de atendimento hospitalar disponível para a população. Na pandemia, a atuação desses serviços foi essencial para a adequada assistência aos doentes.
Considerando que grande parte dos hospitais filantrópicos também realiza processos de educação continuada, programas de residência médica e estágio, a crise das santas casas pode prejudicar a formação de médicos e demais profissionais da assistência.
Apesar dos relevantes serviços prestados à saúde brasileira, a maioria das santas casas e hospitais filantrópicos vive grave situação financeira. No ano passado, a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos pediu socorro ao Senado Federal, reportando uma dívida estimada em R$ 8 bilhões.
Isso porque a conta não fecha. Há uma discrepância entre os valores que as instituições recebem do SUS e as despesas decorrentes dos atendimentos prestados. Muitas santas casas só conseguem manter as portas abertas por meio de doações e do trabalho de voluntários. Algumas não resistem e encerram suas atividades.
Do ponto de vista de gestão, pode ser promissor garantir mais recursos para as santas casas e hospitais filantrópicos já instalados a investir em obras de novos hospitais que podem levar anos para ficarem prontas, quando não são paralisadas por falta de dinheiro.
Precisamos não apenas estudar a possibilidade de ampliar os investimentos do governo no setor, como rever a tabela de procedimentos do SUS para oferecer uma remuneração justa a esses parceiros históricos.
Quando se discute saúde pública, há a inadiável missão de reconhecer o competente trabalho da maioria dos seus funcionários, atribuindo-lhes salários dignos e compatíveis com as suas responsabilidades, através de uma inovadora proposta meritocrática.
O fechamento de hospitais filantrópicos é desastroso, considerando a capilaridade do sistema de saúde e o papel que as santas casas representa, sobretudo em relação aos atendimentos de média e alta complexidade. Cabe ao poder público — União, estados e municípios — formular e executar políticas públicas que promovam a efetiva sustentabilidade das santas casas. Do lado das instituições, é fundamental que tenham gestão profissional e transparente, equilibrando suas contas com a otimização das receitas oriundas dos atendimentos realizados pelo SUS e pela saúde suplementar.
Entre 2014 e 2018, tivemos uma experiência positiva na Secretaria da Saúde de São Paulo. Criamos um programa de auxílio permanente às entidades filantrópicas, mediante repasses extra-SUS de até 70% a mais que a remuneração do Ministério da Saúde, realizados de forma voluntária e proporcionais à produtividade de cada serviço e à complexidade do atendimento.
Em 2021 o programa foi repaginado e fortalecido, com R$ 1,2 bilhão anual em repasses extras e uma nova linha de crédito de R$ 300 milhões específicos para as santas casas.
Para que nosso sistema funcione bem, é preciso que todas suas instâncias de apoio trabalhem juntas. As santas casas são um fator importantíssimo nesse ponto, e não podem ficar à margem do planejamento. Ajudá-las é fundamental para garantir que a população tenha acesso adequado à saúde.
Por David Uip
https://blogs.oglobo.globo.com/receita-de-medico/post/santas-casas-precisam-ser-sustentaveis.html
O Globo