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Hospitais filantrópicos operam no vermelho
30/06/2023

Reembolsos cobrem apenas 60% dos custos e a saída para equilibrar o caixa está em doações e emendas parlamentares

Por Rita Cirne

30/06/2023 05h10  Atualizado 30/06/2023

O governo federal liberou em abril R$ 2 bilhões para 3.288 hospitais filantrópicos e Santas Casas de 1,7 mil municípios de todo o país. Mesmo com essa verba, aprovada no governo anterior, mas só agora alcançando seu destino, essas instituições seguem uma jornada de busca pelo equilíbrio de suas finanças. “Nossa luta continua. Os reembolsos do SUS cobrem apenas 60% dos custos, o que nos obriga a recorrer a doações, empréstimos bancários e emendas de parlamentares para fechar o caixa”, afirma Mirocles Véras, presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB). Só com a Caixa Econômica, o endividamento é de R$ 8 bilhões, com uma linha consignada renegociada anualmente. “Se incluirmos outras instituições, a dívida chega a R$ 10 bilhões. Não queremos lucro. Queremos cobrir os nossos custos”, explica.

Para cumprir a missão de atender a população mais carente, Véras diz que os hospitais filantrópicos e Santas Casas precisam se endividar. Desde o início do Plano Real, em 1994, a tabela do SUS sofreu um reajuste médio de 93,77%, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) subiu 636,07%. Como exemplo, ele lembra que o SUS paga R$ 450,00 a um obstetra por um parto e R$ 10,00 por uma consulta de um especialista em oncologia.

“Não queremos parar, nem gerar crise no atendimento, mas não podemos crescer mais, para não aumentar o endividamento. E se não crescemos, as filas por atendimento aumentam. No ano passado, respondemos por 60% das internações hospitalares de alta complexidade do SUS e 39% das de média complexidade”, afirma.

Para continuar atendendo pelo SUS, a CMB vem conversando com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para negociar a dívida desses hospitais a juros menores do que os 13% ao ano pagos hoje. Véras está confiante em concluir as negociações neste ano e lembra que existe um projeto do deputado Antonio Brito tramitando no Congresso, que prevê a revisão periódica dos valores de remuneração dos serviços prestados ao SUS por entidades parceiras, como as Santas Casas e hospitais filantrópicos.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que tem buscado alterar a lógica de pagamento por procedimento, no que concerne ao financiamento das ações e serviços de saúde. E acrescenta que os valores da tabela de procedimentos e medicamentos do SUS são utilizados apenas como referência, o que faculta aos gestores de saúde negociar os valores nos estabelecimentos sob sua administração.

No caso de São Paulo, o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp), Edson Rogatti, afirma que existem recursos do programa estadual Mais Santas Casas, que complementa a tabela do SUS. Mesmo assim, muitas instituições precisam recorrer a doações, shows e bingos beneficentes em igrejas. Segundo ele, as dificuldades dependem do perfil de cada instituição. Hoje, das 409 Santas Casas do Estado, 46 estão sob intervenção administrativa e com seus diretores afastados.

Dentre as instituições em dificuldades, ele cita a Santa Casa de Araçatuba, único hospital da rede SUS para atendimentos de alta complexidade em 40 municípios com população de até 1 milhão de pessoas. De acordo com o provedor da Santa Casa de Araçatuba, Petrônio Pereira Lima, com déficit mensal de R$ 2,1 milhões, a instituição fechou 2022 com saldo negativo de R$ 25,4 milhões. Apesar de ter vocação para atender casos de alta complexidade – mais bem remunerados –, hoje 80% do atendimento do hospital está voltado para a média complexidade para suprir as dificuldades dos hospitais das demais cidades do bloco de referência.

“Nossa esperança em voltar a praticar integralmente a alta complexidade reside no projeto do governo do Estado, que pretende implantar a regionalização dos atendimentos. O secretário da Saúde, Eleuses Paiva, pretende colocá-lo em prática ainda neste ano e defende que os casos de média complexidade sejam atendidos nos hospitais de origem do paciente ou naqueles que são referências de atendimentos às suas regiões”, explica Lima.

Outro importante pleito do hospital é a rolagem da dívida bancária, hoje na casa dos R$ 107 milhões, junto aos bancos oficiais (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil). As parcelas, em torno de R$ 2 milhões mensais, são descontadas nos pagamentos da produção mensal para o SUS. No início deste ano, a direção do hospital levou a proposta de rolagem da dívida à CMB, que pretende apresentá-la em âmbito nacional.

Para obter novas receitas, a instituição pleiteia há dois anos sua elevação à condição de hospital de ensino. Com 53 médicos residentes em sete especialidades e cem acadêmicos do curso de medicina em internato médico, a Santa Casa de Araçatuba aguarda a aprovação do projeto em tramitação no Ministério da Educação. Se for credenciada, a instituição terá direito a receber tabela diferenciada em todos os procedimentos praticados.

A busca por fontes de recursos é também o desafio da Santa Casa de São Paulo, que realizou, no ano passado, 27 mil cirurgias, 231 mil atendimentos de emergência e 537 mil atendimentos ambulatoriais nas suas três unidades hospitalares da capital paulista, com 1.007 leitos. Para Maria Dulce Cardenuto, superintendente da instituição, a Santa Casa conseguiu reduzir parcialmente o desequilíbrio operacional, assim como o endividamento bancário para R$ 250 milhões, mas ainda carrega o peso expressivo da dívida acumulada ao longo dos anos. Ela informa que a Santa Casa de São Paulo irá encerrar este ano em situação financeira melhor, mas ainda não confortável, embora reflita os esforços feitos no caminho da sustentabilidade.

“Atuamos com rigor no controle dos custos e melhoria de processos para aumentar a eficiência operacional, sem prejudicar a qualidade do atendimento, e ampliar nossa excelência”, afirma.

Diante da baixa remuneração do SUS para cobrir os custos, a saída tem sido procurar outras fontes de receita, por meio da ampliação das atividades de educação e pesquisa, recebimento de emendas parlamentares e doações de pessoas físicas e jurídicas.

Nem todos, porém, buscam a sustentabilidade pelo caminho de doações e emendas parlamentares. É o caso do Hospital A.C. Camargo, filantrópico e exclusivamente oncológico. O CEO da instituição, Victor Piana de Andrade, explica que o plano escolhido para melhorar o atendimento oncológico no país, com equilíbrio entre o atendimento público e o privado, foi promover cursos pagos para profissionais de oncologia. Em junho, informa, o hospital fechou uma parceria com o grupo Cogna para oferta de cursos de pós-graduação na área de oncologia em todos os Estados do Brasil. “Essa é a especialidade da medicina que mais cresce devido à alta incidência de casos no país”, explica.

Andrade afirma que o tratamento de pacientes do SUS para a prefeitura de São Paulo vai continuar. Em dezembro de 2022, o contrato foi renegociado, com um número maior de vagas para novos pacientes, passando de 96 para 124, mas foram reduzidos os tipos de tumores tratados. O A.C. Camargo, aos poucos, promove a alta dos pacientes para que passem a ser atendidos pela rede básica de saúde. No total, hoje o hospital atende 4.500 pacientes do SUS.

“O objetivo é construir um caminho em conjunto com a Prefeitura de São Paulo, mas nem sempre ela consegue flexibilizar o modelo de trabalho da forma que desejaríamos, por isso temos procurado outras prefeituras”, diz Andrade.

Com a prefeitura de Santos foi estabelecida uma parceria, a partir da qual está sendo avaliada a estrutura de sua rede de atendimento para o câncer. “Vamos capacitar seus profissionais, além de ajudar nas decisões de investimentos em equipamentos para tratamento oncológico. Também encontramos parceiros no Terceiro Setor, reunindo o empresariado local, para investir nesse projeto”, informa.