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'SEM O SUS, É A BARBÁRIE': 3 BONS MOTIVOS PARA NÃO ESQUECER A PANDEMIA DE COVID -19
13/09/2023

Há três motivos para termos em mente e nunca mais esquecermos da pandemia de Covid-19 no Brasil. O primeiro de ordem técnica, o segundo de ordem contábil e o terceiro de ordem moral.

O primeiro é que a pandemia acabou, mas o Covid-19 está vivinho da silva! De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pandemia é a "disseminação mundial de uma nova doença". Ora, é verdade que a disseminação se fragmentou e a doença não é mais "nova", mas o coronavírus ainda circula no Brasil, infectando as pessoas e, às vezes, matando. A Covid-19 ainda é uma das principais causas de morte no Brasil, e apresenta desigualdades regionais importantes. Depois de liderar o ranking de mortalidade em 2020 e 2021 e cair para o segundo lugar em 2022, a infecção por Covid-19 representa, em 2023, a quinta causa de mortalidade do país. Entre janeiro e junho deste ano, cerca de 10 mil pessoas morreram em decorrência da Covid-19, mais do que doenças como diabetes e muitos tipos de câncer. E não custa nada lembrar que – mesmo sem gerar novas pandemias – novos ciclos epidêmicos podem acontecer em decorrência da queda na taxa de vacinação ou pelo surgimento de novas cepas. Não dá para baixar a guarda.

O segundo motivo para não esquecer da pandemia é representado pelas muitas contas que ficaram em aberto, que toda a sociedade - e especialmente o Sistema Único de Saúde (SUS) - deverá pagar. A conta mais importante de todas é o impacto social e econômico de 700 mil mortes em três anos e sua repercussão sobre as condições de saúde da população brasileira. Entre as vítimas estão 4,5 mil profissionais de saúde, dos quais 80% são mulheres, 70% auxiliares ou técnicos de enfermagem e 24% enfermeiros ou enfermeiras. Esses profissionais já fazem muita falta no SUS, cronicamente subfinanciado, já que dos 9% do PIB que vem de gastos de saúde, apenas 3,95% são com gastos públicos, e com carência de profissionais de saúde. Tampouco podemos esquecer do devastador impacto da crise sobre a saúde mental da população brasileira. Um estudo da OPAS estima que mais de quatro em cada 10 pessoas tiveram problemas de ansiedade por conta da pandemia — para não mencionar o aumento da violência doméstica e da taxa de suicídio. Outro inquérito nacional, publicado em 2023, confirma que este impacto veio para ficar, e identificou que jovens e mulheres tem mais diagnósticos de ansiedade do que outros grupos da população. E como não lembrar que a pandemia mostrou o peso das desigualdades sobre a saúde, tanto que a mortalidade da população negra e entre os mais pobres foi significativamente superior à da média da população. Isso não deve ser esquecido nunca mais.

A queda na oferta de procedimentos de saúde foi drástica no primeiro ano da pandemia em razão das medidas de isolamento, como o lockdown. Uma pesquisa aponta que houve redução de 59% das pequenas e médias cirurgias, de 27,9% das cirurgias de maior complexidade e 44,7% dos transplantes. A queda nesses procedimentos, causou um grande aumento da demanda pelos serviços que ficaram represados. Essa é outra conta que a população deverá pagar: além dos danos irreparáveis causados às pessoas pelo atraso ou cancelamento de cirurgias urgentes, aumentaram as filas por cirurgias eletivas, procedimentos e consultas especializadas. Diagnósticos tardios de câncer, complicações de doenças crônicas, como cegueira e amputações, e outras questões de saúde deixadas sem assistência precisam e precisarão de cuidados longos e custosos. Soma-se a isso as necessidades de cuidado da saúde mental, reabilitação (inclusive pela Covid longa), saúde bucal e muitas outras áreas e serviços essenciais que ficaram estagnados durante a pandemia.

O terceiro e último motivo para não esquecer da pandemia é de ordem moral e envolve a sociedade como um todo. A alta cobertura de imunização da população brasileira contra o coronavírus evitou uma tragédia ainda maior. Em 2022, no Brasil, foi notificado quase o mesmo número de casos de Covid-19 do que em 2021. No entanto, os óbitos caíram de 423 mil, em 2021, para 74 mil, em 2022, ou seja, seis vezes menos. O que teria acontecido sem a vacinação massiva da população? Infelizmente, as taxas de cobertura da vacina contra Covid-19 estão baixando de forma preocupante (e incompreensível, já que está disponível uma fórmula nova, bivalente, que garante maior cobertura). Hoje, resulta absolutamente necessário que cada um de nós se vacine contra o Covid – 19 e convença nossos amigos e familiares a se protegerem também.

A feliz afirmação do professor Gonzalo Vecina "Sem o SUS, é a barbárie" constitui, ao nosso ver, a melhor síntese das lições aprendidas da pandemia. O aparato do SUS, mesmo em momentos de grande pressão e desconforto, se mostrou resiliente e capaz de responder à crise sanitária. Mesmo que em alguns momentos os serviços públicos de saúde tenham chegado a colapsar, ocorreu apenas em algumas localidades e foi por períodos relativamente breves. Pode-se supor que sem o SUS e sem a cooperação voluntária da sociedade civil a situação poderia ter sido pior. Em conclusão, se queremos estar preparados para as próximas emergências de saúde pública, não podemos imaginar o Brasil sem o SUS. E tomara que com mais recursos, vontade política e consciência social.

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Renato Tasca é Consultor Sênior do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e Pesquisador da FGV Saúde; Rebeca Freitas é diretora de relações institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); Júlia Pereira é analista de relações Institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); Evelyn Santos é Gerente de Parcerias e Novos Projetos da Umane. 

 

 

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Folha de S.Paulo