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Confira a reportagem gravada no Instituto Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho com entrevista do presidente da ABIFICC, Pascoal Marracini.
26/01/2016

Brasileiros deixam casa em busca de tratamento para parentes com câncer

JN começa a apresentar uma série sobre o câncer. A dificuldade de tratamento em alguns locais faz pacientes mudarem de cidade.

A partir desta segunda-feira (25), no Jornal Nacional, uma série especial de reportagens vai tratar um desafio enorme que o Brasil precisa vencer pra ser mais justo. Porque o nosso país trata de forma desigual os pacientes de câncer. Os que têm acesso a hospitais privados ficam mais perto dos remédios mais modernos, das técnicas mais avançadas de tratamento. Mas os repórteres Graziela Azevedo e Ronaldo de Sousa mostram que 75% dos doentes dependem do SUS.

Antes havia o rio. As delícias e belezas da terra. O futuro chegando. De repente, só lágrimas e vazio. Sabrina chora por sua mãe que não verá os netos, gêmeos, nascerem no Amapá. Aos 47 anos, morreu de câncer, mas não só dele.  

Sabrina: Foi pela demora e a espera.
Jornal Nacional: Muito tempo de espera?
Sabrina: Foi.
Jornal Nacional: O que você mais sentiu que faltou pra ela?
Sabrina: Tudo.

Esse drama ainda ecoava na cabeça de Dilberto quando o encontramos em São Paulo. A senhora enterrada em Macapá era vizinha da mãe dele, que também sofre de câncer colorretal - o que mais atinge as brasileiras depois do câncer de mama.

O medo de que a história se repetisse trouxe Dona Fátima para São Paulo. Veio se tratar no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho, que só atende pacientes do SUS. São 30 mil em tratamento, mil novos todo mês. A maioria é de São Paulo, 30% vem de fora como Dona Fátima.

“Foi uma história aí, um caminho, pra poder chegar aqui. Um longo caminho”, conta a dona de casa Fatima Maciel.

A papelada que trouxe na bagagem mostra que foram 9 meses de busca por diagnóstico e tratamento enquanto o tumor crescia.

Dilberto Palheta, filho de Dona Fátima: A gente teve que tirar dinheiro do bolso pra poder fazer as biopsias. Fez uma, não deu resultado, fez duas, não deu resultado, fez três, não deu resultado. Quando foi na última, que foi o resultado pro médico dar o laudo.
Jornal Nacional: Por que não dava resultado?
Dilberto: Porque estavam tirando material do local inadequado.

“O câncer é uma doença que não perdoa falhas, não perdoa atrasos, não perdoa qualquer tipo de lentidão ou de falta de experiência. O grau de investimento na saúde no sistema público ele é menor, ele é pequeno, ele é insuficiente e obviamente você vai se deparar com uma situação de imensas limitações pra poder vencer essa batalha”, comenta Fernando Cotait Maluf, diretor do Centro oncológico Antônio Ermírio de Moraes.

Entender o que acontece com os brasileiros que precisam de tratamento de câncer no SUS não é fácil. O ideal, para uma doença que se complica quando o tempo passa, é que o diagnóstico seja precoce, que o tratamento seja rápido e de qualidade. Mas quem precisa de um caminho reto se vê muitas vezes num verdadeiro labirinto que consome energia e devora vidas. E são muitos os brasileiros nesse labirinto.

“Ela ficou tão apavorada de bater de porta em porta e não conseguir em lugar nenhum vaga, nem pra atender nem pra passar num médico, que chegou uma hora, ela falou: ‘minha filha, vou desistir, vou embora, deixa, vou morrer em casa mesmo, porque não aguento mais”, conta Edilene.

A mãe da Edilene, Dona Verúsia, veio da Bahia. A Célia Teodoro, que perdeu a irmã para o câncer, veio do Paraná.

“Acho uma injustiça, porque acho que todas as cidades, por mais pequena que fosse, tinha que ter um tratamento pras pessoas com essa doença”, afirma a cabeleireira.

Rose, é de São Paulo mesmo, e tem a mão da mãe na sua. “Representa que eu não estou sozinha”, conta.

São todas companheiras de hospital da Dona Fátima, que só não está sozinha porque o filho largou o emprego de professor em Macapá.

“A gente teve que se virar, emprestar dinheiro a juro, nós chegamos a emprestar dinheiro a juro também, ajuda da família também, entendeu?”, diz Fátima.

E, com ajuda e comprovante de endereço de um amigo daqui, conseguiu tratamento pra mãe em São Paulo.

“Já é difícil o diagnóstico, aí quando consegue um serviço, passou por 2, 3, 4 serviços pra chegar num serviço de excelência. E aí realmente o estágio já é avançado. Muito pouco as vezes pode-se fazer”, explica Pascoal Marracini, diretor administrativo do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho.

Pra conhecer mais de perto a realidade da Dona Fátima e dos brasileiros do norte do país nós fomos até o Amapá. Santana, no bairro Paraíso, é onde Dona Fátima mora. A casa simples e colorida está cheia de saudade.

“O coração tá a mil, querendo que minha mãezinha volte logo, e a saudade é muita, o mais difícil é ficar longe”, afirma Joseane Maciel Palheta, filha de Dona Fátima.

Na Unacon, Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, em Macapá, falta serviço de radioterapia. Faltam remédios para quimioterapia, falta um prédio novo. O pouco que tem exigiu muita batalha dos médicos.
 
“A gente não consegue realizar o trabalho que nós gostaríamos de realizar. Muitas vezes a gente tem como solução pra que paciente tenha uma alternativa, encaminhar pra fora do estado”, diz Roberto Marcel Alvez, diretor de oncologia da Unacon.

O Ministério da Saúde diz que tem normas bem definidas sobre o atendimento aos pacientes e que qualidade é obrigação de quem presta o serviço.

“Os serviços de saúde, eles são obrigados a ter serviços plenos e integrais. A responsabilidade pela qualidade do que contrata e do que realiza é do diretor técnico do hospital”, afirma Alberto Beltrame, sec. de  Atenção à Saúde - Min. da Saúde.

“O ideal era ter o tratamento aqui, no nosso estado. Pra que as pessoas que não têm condições pudessem fazer o tratamento aqui ou que o governo, não tendo o tratamento aqui, tivesse uma atenção maior com essas pessoas. Que essa doença é tão grave e não pode esperar”, comenta a filha de Dona Fátima.