Com alta de dengue, cidades 'caçam' médicos e improvisam hospitais
04/02/2016
04/02/2016 02h00
Com o avanço da dengue e o medo da zika, prefeituras pelo país estão buscando médicos e montando hospitais de campanha para tratar pacientes infectados pelo mosquito Aedes aegypti, que transmite as duas doenças.
A medida está sendo adotada em cidades de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e do Paraná, que tentam atender à alta demanda de pacientes com sintomas de dengue na rede pública.
Para tentar convencer os profissionais a atuar de forma temporária, há prefeituras que oferecem até R$ 1.200 por dia de trabalho.
Cidades com epidemia ou em estado de emergência têm dificuldade para encontrar médicos –inclusive para repor os quadros habituais.
É o caso de Ribeirão Preto (SP), que registrou 927 casos só nos primeiros 15 dias do ano, decretou emergência e prevê gastar R$ 15,8 milhões para conter a doença.
Com a procura diária de mais de cem pacientes nos postos de saúde, a prefeitura implantou um polo exclusivo e passou a contratar médicos, enfermeiros, técnicos e recepcionistas temporários.
"Um contrato mais flexível tem sido o mecanismo. E estamos pagando R$ 1.200 por plantão de 12 horas", disse Darlene Mestriner, secretária-assistente da Saúde.
PROCURA-SE
Os hospitais de campanha foram criados em Paranaguá (PR) e Campo Grande (MS). Na cidade paranaense, até o Carnaval foi afetado pela epidemia –e adiado para julho, no aniversário da cidade.
"Estamos com uma dificuldade enorme para contratar médicos. Abrimos vagas para 20, mas ainda temos cinco abertas", disse Osvaldo Capetta, porta-voz da sala de situação da dengue.
São 931 casos desde dezembro e outros 1.063 em análise. A proposta para cada médico é de R$ 3.100 por 20 horas semanais.
O hospital de campanha para 14 pacientes atua há duas semanas e dá suporte ao local que concentra casos suspeitos e em tratamento.
Já em Campo Grande, a dengue acelerou a contratação de 120 médicos para repor perdas após uma greve ocorrida entre 2014 e 2015. Por 12 horas de serviço, eles ganham R$ 1.200.
Em emergência, o município usa o hospital de campanha desde dezembro.
Em Ubá (MG), que vive situação de emergência por dengue, com mais de mil casos notificados, o valor oferecido por médico é de R$ 700 (dia) e R$ 781,65 (noite).
A contratação é por aviso de seleção –basta o médico comprovar experiência.
Além da dengue, a cidade tem uma ocorrência de gestante com o vírus da zika.
Juiz de Fora (MG), também em emergência, vai criar dois centros de hidratação e está contratando médicos. Já são 796 casos de doenças causadas pelo Aedes neste ano.
Em pronunciamento nesta quarta (3), a presidente Dilma pediu engajamento de toda a sociedade contra o mosquito e disse que o combate à zika é uma "luta urgente".
O vírus está associado ao surto de microcefalia no país, que já tem 404 casos confirmados e 3.670 em análise.
É MAIS EFICIENTE AGIR EM PREVENÇÃO
Instalar hospitais de campanha e contratar médicos ameniza a situação de pacientes com dengue, mas está longe de ser a solução para o problema, na opinião de especialistas ouvidos pela Folha.
Segundo eles, só profissionais de saúde mais bem preparados e o combate ao mosquito Aedes aegypti conseguirão tratar melhor os pacientes de dengue e reduzir a transmissão da doença e também da zika.
Para o infectologista Juvencio Furtado, docente da Faculdade de Medicina do ABC, as medidas ajudam a desafogar o sistema de saúde, mas não alteram o rumo da epidemia.
"Para mudar, só o combate efetivo ao transmissor. Isso já deveria ter sido feito há muito tempo, com medidas como cuidar do lixo nas ruas", afirma.
Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, diz que as medidas têm o objetivo de mostrar que algo está sendo feito.
"Colocar soldado na rua para atender em barraca é como jogar para a torcida. A situação está caótica."
Segundo Timerman, um agravante é que parte dos médicos do país está despreparada para atender casos de dengue e não recebe treinamento adequado.
"Tivemos mais de 800 mortes por dengue no ano passado. Cada uma revela insuficiência do atendimento", afirma.
Folha de São Paulo