Após escândalos de corrupção, Santa Casa do Rio tenta se reinventar.
08/03/2016
08/03/2016 06h42 - Atualizado em 08/03/2016 06h42
Após escândalos de corrupção, Santa Casa do Rio tenta se reinventar
Novo hospital será construído na área externa, que não é tombada.
Acusações de corrupção em 2013 revelaram dívida de R$ 300 milhões.
Perto do aniversário de 434 anos da Santa Casa de Misericórdia, que será celebrado no dia 24 de março, a instituição tenta se reinventar. O Hospital Geral, que funciona na Rua Santa Luzia, no Centro do Rio, ainda não funciona na sua totalidade, mas oferece atendimento em mais de 40 especialidades médicas e em 20 ambulatórios diferentes, além de seguir formando futuros profissionais de saúde. Este é um dos passos no ressurgimento da Santa Casa, que tenta se recuperar de uma série de denúncias de corrupção nas quais foi envolvida nos últimos anos e que envolveram o nome de Dahas Zarur, o então provedor da Santa Casa do Rio.
O prédio histórico, inaugurado em 1852, chegou a ser totalmente interditado pela Vigilância Sanitária em outubro de 2013, pela falta de condições sanitárias para mantê-lo como hospital. Quando foi reaberta, a unidade voltou a funcionar somente como ambulatório. O local e seus anexos recebem atualmente, em média, de mil pacientes por mês, principalmente no horário da manhã. No começo do ano 2000, de acordo com os funcionários, o atendimento era de cerca de 15 mil pacientes por mês.
As consultas e exames são oferecidos a preços populares, mas quem não tem condições de pagar pode buscar gratuidade no serviço social do hospital. De acordo com os funcionários, a possibilidade de se consultar com médicos conceituados por um valor baixo ou até de graça é um diferencial.
“O hospital está vivo. A gente tem uma qualidade de atendimento que não deixa a desejar a ninguém”, afirmou o médico radiologista Hilton Koch, que é o mordomo da instituição, o que corresponderia ao cargo de gestor, além de comandar há 21 anos o serviço de radiologista.
Um dos maiores impedimentos para o pleno funcionamento do Hospital Geral da Santa Casa é o próprio prédio. O local é tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que acaba não permitindo reformas estruturais para adequá-lo às condições necessárias para transformá-lo novamente em um local de internações.
Tentando solucionar parcialmente o problema, duas enfermarias, a quarta e a nona, foram reformadas e recebem os últimos ajustes para atender pacientes que passaram por pequenos procedimentos e que não precisem pernoitar no Hospital. Com a reabertura, a expectativa é de que outras quatro enfermarias sejam abertas até a metade do ano. Com isso, a instituição pretende pedir a retomada do vínculo com o SUS, o que reforçaria os cofres. Atualmente, o único setor que realiza pequenas cirurgias é a ginecologia, que funciona em um anexo, fora do prédio histórico.
“Essas áreas exigiriam obras estruturais muito grandes, o que o Iphan não permite. Por isso, vamos deixar a estrutura como está e usá-la do jeito possível, com serviços administrativos, com a realização de exames complementares, como os laboratoriais. Mas a internação de pacientes será impossível”, segundo o médico reumatologista Washington Bianchi, atual diretor médico do Hospital Geral da Santa Casa.
Formação profissional
Além do atendimento popular, o Hospital Geral da Santa Casa, fundado em 1582 por São José de Anchieta para prestar atendimento aos mais humildes, também foi o primeiro hospital-escola do país. O trabalho de formação profissional foi mantido. Alunos da graduação de duas instituições de ensino superior, a Estácio de Sá e a Souza Marques, e pelo menos dez cursos de pós-graduação trabalham e estudam com os profissionais de lá que, em boa parte, não recebe salário da Santa Casa, mas sim das universidades.
“A Santa Casa tem a missão de prestar assistência médica à população mais necessitada desde os tempos da fundação. Além disso, temos que manter a tradição no ensino”, explicou Washington.
Profissionais de outras áreas também oferecem serviços na unidade. É o caso da psicóloga Glauce Corrêa. Ela entrou na Santa Casa em 1999, como estudante, e se tornou voluntária a partir do ano 2000. Ela trabalha com a recuperação de pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide, esclerodermia, artrose e lúpus, entre outros males.
"O mais bacana é ver a melhora dos pacientes, quando eles sentiam dores que achavam que ninguém compreendia a dor que estavam cansados de sentir", afirmou Glauce.
Abandono de algumas áreas e projeto de nova unidade
Durante a manhã o Hospital Geral da Santa Casa recebe um grande movimento de pacientes, médicos e estudantes, ainda longe do trabalho dos áureos tempos. Durante a tarde, apesar do funcionamento de alguns ambulatórios, como o de otorrino, por exemplo, a maioria dos corredores fica vazia. Com menos gente nos corredores, os problemas que sucatearam o local por anos ficam mais visíveis, como um chafariz com água parada e plantas e gatos circulando pelos corredores sem serem incomodados. Quando veem a aproximação de um humano, correm para o porão do prédio.
Apesar da reabertura de algumas enfermarias em breve, todos concordam que o local não possui condições de receber um hospital novamente. Por isso, a solução proposta pela instituição é a construção de um novo hospital, anexo ao prédio histórico e que não ficaria em uma área tombada.
O projeto do novo Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia já existe. Nele, a construção de 1852 seguiria funcionando com salas de aula, centro administrativo, espaços culturais e museus que contariam a história da medicina no Brasil, com utensílios que fazem parte do acervo do local.
“Vamos fazer um museu de história da medicina. Vamos fazer aqui teatro, cinema e aproveitar todo o Centro aqui em volta. A parte tombada será um centro de cultura”, afirmou Hilton Koch.
O mordomo da instituição também pretende levar em breve ao prefeito Eduardo Paes um projeto para um investimento da Prefeitura do Rio na área médica do Hospital Geral da Santa Casa.
Venda de imóveis
Apesar dos esforços, outra barreira que atrapalha o retorno ao funcionamento plano da Santa Casa de Misericórdia do Rio são as contas ainda fecham no vermelho e as dívidas trabalhistas que não foram pagas. A Santa Casa de Misericórdia tem atualmente uma dívida de R$ 300 milhões, incluindo os valores de salários e benefícios dos funcionários que ainda não foram pagos.
Para solucionar o problema, o atual gestor da Santa Casa, Francisco Horta, conseguiu autorização para vender dois imóveis que devem solucionar as contas com os funcionários: o Palácio São Cornélio, na Rua do Catete, na Zona Sul; e um terreno vizinho à Praça da Apoteose, no Centro. O dinheiro da venda não passaria pelas contas da Santa Casa. Seria encaminhado direto para a Justiça do trabalho, que fará as contas e o pagamento, ajudando a recadastrar todos os funcionários da instituição.
O desembargador Francisco Horta foi designado para terminar de cumprir o mandato de Zarur no auge da crise. Ele fica no comando da instituição até meados deste ano, quando acontecerão novas eleições para gestor.
A credibilidade histórica da Santa Casa foi abalada em 2013, com a descoberta de um suposto esquema de venda ilegal de imóveis que eram doados para a instituição. O mesmo imóvel era vendido para mais de três compradores. Outro golpe nos cofres da instituição foi a perda da gestão de seis cemitérios da cidade.
Além do Hospital Geral da Santa Casa, no Centro, considerado o coração da instituição, a Santa Casa também sustenta na cidade o Hospital São Zacharias, em Botafogo; o Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura; o Hospital Nossa Senhora da Saúde, na Zona Portuária; Hospital Nossa Senhora do Socorro, no Caju; a Casa de Repouso Santa Maria e São Manuel, em Jacarepaguá; Educandário Romão Duarte, no Flamengo; Educandário da Misericórdia, em Botafogo. Todas as instituições sobrevivem sem receber dinheiro do poder público.
Cristina Boeckel Do G1 Rio